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21 de outubro de 2016

RACISMO

Ayn Rand

(Setembro de 1963)

O racismo é a forma mais baixa e mais cruelmente primitiva de coletivismo. É a noção de atribuir significado moral, social ou político à linhagem genética de um homem — é a noção de que os traços caracterizadores e intelectuais de um homem são produzidos e transmitidos por sua química corporal interna. O que quer dizer, na prática, que um homem deve ser julgado, não por sua índole ou ações, mas pelas índoles e ações de um coletivo de antepassados.

O racismo afirma que o conteúdo da mente de um homem (não seu aparato cognitivo, mas seu conteúdo) é herdado; que as convicções, caráter e valores de um homem são determinados antes de seu nascimento, por fatores físicos além de seu controle. Esta é a versão do homem das cavernas da doutrina das ideias inatas — ou do conhecimento herdado —, a qual tem sido completamente contestada pela filosofia e pela ciência. O racismo é uma doutrina de, por e para brutamontes. É uma versão de quintal ou de fazenda de gado do coletivismo, apropriada à mentalidade que diferencia várias raças de animais, mas não animais e homens.

Como toda forma de determinismo, o racismo invalida o atributo específico que distingue o homem de todas as outras espécies vivas: sua faculdade racional. O racismo nega dois aspectos da vida do homem; razão e escolha, ou inteligência e moralidade, substituindo-os por predestinação química.

A família respeitável que sustenta parentes imprestáveis ou os crimes destes a fim de “proteger o nome da família” (como se a estatura moral de um homem pudesse ser prejudicada pelos atos de outro) — o vagabundo que se gaba de que seu bisavô foi um construtor de impérios, ou a solteirona do interior que se gaba de que seu tio materno era um senador estadual e de que seu primo em terceiro grau deu um concerto no Carnegie Hall (como se as realizações de um homem pudessem remover a mediocridade de outro) — os pais que procuram árvores genealógicas a fim de avaliar seus futuros netos — a celebridade que inicia sua autobiografia com um detalhado relatório de sua história familiar — todos estes são exemplos de racismo, as manifestações atávicas de uma doutrina cuja total expressão é a guerra tribal de selvagens pré-históricos, o massacre em massa da Alemanha Nazista, as atrocidades das chamadas “nações emergentes” atuais.

A teoria que sustenta “o sangue bom” ou “o sangue mau" como um critério moral-intelectual somente pode levar a derramamento de sangue, na prática. A força bruta é o único canal de ação aberto aos homens que consideram a si mesmos agregados descuidados de substâncias químicas.

Os racistas modernos tentam provar a superioridade ou a inferioridade de uma suposta raça através das realizações históricas de alguns de seus membros. O espetáculo histórico frequente de um grande inovador que, em sua existência, é zombado, denunciado, bloqueado, perseguido por seus compatriotas e que, então, poucos anos após morrer, é posto num santuário de um monumento nacional e saudado como uma prova da grandeza da raça alemã (ou francesa ou italiana ou cambojana) — é tão revoltante quanto um espetáculo de expropriação coletivista, perpetrado pelos racistas, quanto qualquer expropriação de riqueza material perpetrada pelos comunistas.

Assim como não há uma mente coletiva ou racial, também não existe realização coletiva ou racial. Há apenas mentes individuais e realizações individuais — e uma cultura não é um produto anônimo de massas indiferenciadas, mas o total de realizações intelectuais de homens individualmente considerados.

Mesmo se fosse provado —: o que não é o caso — que a incidência de homens de poder mental potencialmente superior é maior entre os membros de certas raças do que de outras, isto ainda não nos diria nada sobre nenhum suposto indivíduo, e seria irrelevante para o seu julgamento. Um gênio é um gênio, independentemente do número de retardados mentais que pertençam à mesma raça — e um retardado mental é um retardado mental, independentemente do número de gênios que têm a mesma origem racial. É difícil dizer qual é a injustiça mais ultrajante: a reivindicação dos racistas sulistas de que um gênio negro deve ser tratado como inferior, porque sua raça “produziu” alguns brutamontes — ou a reivindicação de um brutamontes alemão ao status de superior porque sua raça “produziu” Goethe, Schiller e Brahms.

Essas não são duas reivindicações diferentes, é claro, mas duas aplicações da mesma premissa básica. A questão de alguém alegar superioridade ou inferioridade de suposta raça é irrelevante: o racismo possui apenas uma raiz psicológica: o senso do racista de sua própria inferioridade.

Como toda forma de coletivismo, o racismo é uma procura pelo não-obtido. É uma procura pelo conhecimento automático — por uma avaliação automática das índoles dos homens que desviam a responsabilidade de exercitar o julgamento racional ou moral — e, acima de tudo, uma procura por uma autoestima automática (ou pseudo-autoestima).

Atribuir às virtudes de alguém a sua origem racial é confessar que não se possui conhecimento do processo pelo qual elas são adquiridas e, mais frequentemente, que se fracassou em adquiri-las. A esmagadora maioria dos racistas é constituída de homens que não obtiveram nenhum senso de identidade pessoal, que não podem reivindicar nenhuma realização ou distinção individual e que buscam a ilusão de uma “autoestima tribal”, alegando a inferioridade de alguma outra tribo. Observe a intensa histeria dos racistas sulistas; observe também que o racismo é muito mais predominante entre a escória branca pobre do que entre os seus experientes intelectuais.

Historicamente, o racismo sempre aumentou ou decaiu com o aumento ou queda do coletivismo. Este sustenta que o indivíduo não tem direitos, que sua vida e trabalho pertencem ao grupo (à “sociedade" à tribo, ao Estado, à nação), e que o grupo pode sacrificá-lo aos seus próprios caprichos e interesses. A única maneira de implementar uma doutrina deste tipo é através da força bruta — e o estatismo sempre foi o corolário político do coletivismo.

O Estado absoluto é simplesmente uma forma institucionalizada de um regime de gangues, independentemente de qual gangue em particular mantenha o poder. E — já que não há justificativa racional para esta regra, já que nada foi ou pode ser oferecido — a mística do racismo é um elemento crucial para toda variante do Estado absoluto. O relacionamento é recíproco; o estatismo vem das guerras tribais pré-históricas, da noção de que os homens de uma tribo são presa natural para os de outra — e estabelece suas próprias subcategorias internas de racismo, um sistema de castas determinadas pelo nascimento de um homem, assim como os títulos de nobreza ou a servidão, herdados.

O racismo da Alemanha Nazista — onde os homens têm de preencher questionários sobre seus ancestrais, a fim de provar sua descendência Ariana — tem seu complemento na Rússia Soviética, onde os homens têm de preencher questionários similares para mostrar que seus ancestrais não possuíam nenhuma propriedade e, assim, provar sua descendência proletária. A ideologia soviética repousa na noção de que os homens podem ser geneticamente condicionados ao comunismo — isto é, que algumas gerações condicionadas pela ditadura transmitirão a ideologia comunista aos seus descendentes, os quais serão comunistas ao nascer. A perseguição das minorias raciais na Rússia Soviética, de acordo com a descendência racial e capricho de qualquer comissário de plantão, é uma questão de registro; o antissemitismo é particularmente predominante — mas agora as perseguições oficiais são chamadas de “depurações políticas”.

Há apenas um antídoto para o racismo: a filosofia do individualismo e seu corolário político-econômico, capitalismo laissez-faire.

O individualismo considera o homem — todos os homens — como uma entidade soberana, independente, que possui um direito inalienável a sua própria vida, direito este derivado de sua natureza de ser racional. Ele sustenta que uma sociedade civilizada, ou qualquer forma de associação, cooperação ou coexistência pacífica entre os homens, pode ser atingida somente com base no reconhecimento dos direitos individuais — e que um grupo, como tal, não possui direitos, a não ser os direitos individuais de seus membros.

Não são os ancestrais ou os parentes ou os genes ou a química corporal de um homem que contam num mercado livre, mas apenas um atributo humano: habilidade produtiva. É por sua própria habilidade e ambição individual que o capitalismo julga um homem e o recompensa correspondentemente.

Nenhum sistema político pode estabelecer a racionalidade universal pela lei (ou força). Mas o capitalismo é o único sistema que funciona de maneira a recompensar a racionalidade e penalizar todas as formas de irracionalidade, incluindo o racismo.

Um sistema capitalista totalmente livre ainda não existiu em lugar nenhum. O que tem grande significado, porém, é a correlação de racismo e controle político, na economia semi-livre do século XIX. Às perseguições raciais e/ou religiosas das minorias mantiveram-se em proporção inversa ao grau de liberdade de um país. O racismo foi mais forte nas economias mais controladas, como na Rússia e Alemanha — e mais fraco na Inglaterra, o país mais livre da Europa, na época.

Foi o capitalismo que proporcionou à humanidade dar seus primeiros passos em direção à liberdade e a uma maneira racional de vida. Foi o capitalismo que atravessou as barreiras raciais e nacionais, por meio do comércio livre. Foi o capitalismo que aboliu a servidão e a escravidão em todos os países civilizados do mundo. Foi o Norte capitalista que destruiu a escravidão do Sul agrário-feudal dos Estados Unidos.

Essa foi a tendência da humanidade pelo breve período de alguns cento e cinquenta anos. Seus resultados e conquistas espetaculares não precisam de reafirmações, aqui.

O aumento do coletivismo reverteu essa tendência.

Quando os homens começaram a ser doutrinados, mais uma vez, com as noções de que um indivíduo não possui direitos, de que a supremacia, a autoridade moral e o poder ilimitado pertencem ao grupo, e de que o homem não possui significância fora de seu grupo — a consequência inevitável foi começar a gravitar na direção de um grupo ou outro, em autoproteção, perplexidade ou terror subconsciente. O coletivo mais simples para se engajar, aquele de mais fácil identificação — particularmente para pessoas de inteligência limitada —, a forma menos exigente de “pertencer” e de “camaradagem”, é: raça.

Foi deste modo que os teóricos do coletivismo, os defensores do “humanitarismo” de um Estado absoluto “benevolente”, levaram ao renascimento e novo e virulento crescimento do racismo no século XX.

Nessa grande era do capitalismo, os Estados Unidos foram o país mais livre sobre a Terra — e a melhor refutação das teorias racistas. Homens de todas as raças vieram para cá, alguns de países obscuros, culturalmente sem distinção, e executaram façanhas de habilidade produtiva que teriam ficado natimortas em suas pátrias dominadas pelo controle. Homens de grupos raciais que estiveram massacrando-se uns aos outros por séculos, aprenderam a viver juntos em harmonia e cooperação pacífica. A América foi chamada de “o cadinho”, por boas razões. Mas poucas pessoas perceberam que a América não fundiu os homens na conformidade cinzenta de um coletivo: ela os uniu por meio da proteção dos direitos à individualidade.

As maiores vítimas deste preconceito racial, que certamente existiu na América, foram os negros. Tratou-se de problema originado e perpetrado pelo Sul não-capitalista, ainda que não confinado às fronteiras. A perseguição dos negros no Sul foi e é verdadeiramente vergonhosa. Mas, no resto do país, visto que os homens eram livres, até mesmo este problema foi vagarosamente cedendo sob a pressão do esclarecimento e dos próprios interesses econômicos dos brancos.

Hoje, este problema está-se agravando — assim como todas as outras formas de racismo. A América tornou-se consciente, no que se refere a raças, de uma maneira remanescente dos piores dias dos países mais atrasados da Europa do século XIX. A causa foi a mesma; o crescimento do coletivismo e do estatismo.

Apesar do clamor por igualdade racial, propagada pelos “liberais” há poucas décadas atrás, o Bureau de Censo relatou recentemente que “o status econômico [do negro] em relação ao branco não melhorou por aproximadamente vinte anos”. Vem-se igualando nos anos mais livres de nossa “economia mista”; deteriorou com a expansão progressiva dos “liberais” do Serviço Social.

O crescimento do racismo numa “economia mista” marcha com o crescimento do controle governamental. Uma “economia mista” desintegra um país, a ponto de levá-lo a uma guerra civil institucionalizada, de grupos de pressão, todos lutando por favores legislativos e privilégios especiais às custas um do outro.

A existência destes grupos de pressão e de seus lobbies políticos é atualmente reconhecida de maneira aberta e cínica. O pretexto de qualquer filosofia política, princípios, ideais ou objetivos de longo prazo, está desaparecendo rapidamente de nosso cenário — e deve-se admitir que este país está agora navegando sem direção, à mercê de um jogo de poder cego, de curto prazo, disputado por várias gangues estatistas, todas com intenção de conseguir apoio de um figurão do Poder Legislativo para tirar qualquer vantagem especial imediata.

Na ausência de uma filosofia política coerente, todo o grupo econômico vem agindo como seu próprio destruidor, liquidando seu futuro por algum privilégio momentâneo. A política dos homens de negócios foi, por algum tempo, a mais suicida, a este respeito. Foi, porém, ultrapassada pela política corrente dos líderes negros.

Enquanto os líderes negros estavam lutando contra a discriminação imposta pelo governo — direito, justiça e moralidade estavam de seu lado. Mas não lutam mais por isso. As confusões e as contradições que circundam a questão do racismo, atingiram agora um clímax inominável.


É hora de esclarecer os princípios envolvidos.

A política dos estados sulistas em relação aos negros era e é uma contradição vergonhosa dos princípios básicos deste país. Discriminação racial, imposta e impingida pela lei, é uma infração tão ruidosamente indesculpável dos direitos individuais, que os estatutos racistas do Sul deveriam ter sido declarados inconstitucionais há muito tempo.

A alegação dos racistas sulistas dos “direitos dos estados” é, em termos, uma contradição; não pode haver algo como “direitos” de alguns homens de violar os de outros. O conceito constitucional de “direitos dos estados” pertence à divisão do poder entre as autoridades nacionais e locais e serve para proteger os estados do governo federal; não concede ao estadual um poder arbitrário e ilimitado sobre seus cidadãos, ou o privilégio de anular os direitos individuais destes.

Foi verdade que o governo federal usou a questão racial para estender seu próprio poder e estabelecer um precedente de abuso sobre os direitos legítimos dos estados, de uma maneira inconstitucional e desnecessária. Mas isto simplesmente significa que ambos os governos estão errados; não é desculpa para a política dos racistas do Sul.

Uma das piores contradições, neste contexto, é a posição de muitos — chamados — “conservadores” (não confinados exclusivamente ao Sul) que afirmam ser defensores da liberdade, do capitalismo, dos direitos de propriedade, da Constituição, ainda que ao mesmo tempo defendam o racismo. Eles não parecem possuir interesse suficiente nos princípios para perceber que estão puxando o tapete sob seus próprios pés. Os homens que negam os direitos individuais não podem afirmar, defender ou sustentar direitos, quaisquer que sejam. São estes supostos campeões do capitalismo que estão ajudando a desacreditá-lo e a destruí-lo.

Os “liberais” são culpados pela mesma contradição, mas de forma diferente. Defendem o sacrifício de todos os direitos individuais a uma norma de maioria ilimitada — ainda que posem como defensores dos direitos das minorias. Mas a menor minoria da Terra é o indivíduo. Os que negam os direitos individuais não podem conclamar-se defensores de minorias.

Este acúmulo de contradições, pragmatismo míope, desprezo cínico por princípios, irracionalidade ultrajante, alcançou agora seu clímax, nas novas exigências dos líderes negros.

Ao invés de lutar contra a discriminação racial, estão exigindo que ela seja legalizada e imposta. Ao invés de lutar contra o racismo, estão exigindo o estabelecimento de cotas raciais. Ao invés de lutar pelo “daltonismo” nas questões econômicas e sociais, estão proclamando que ele é nocivo, e que se deve tornar a “cor” uma consideração fundamental. Ao invés de lutar por direitos iguais, estão exigindo privilégios especiais de raça.

Estão exigindo que cotas raciais sejam estabelecidas com respeito a empregos, e que estes sejam distribuídos em bases raciais, proporcionalmente à porcentagem de uma suposta raça na população local. Por exemplo, já que os negros constituem 25 por cento da população da cidade de Nova Iorque, eles exigem 25 por cento dos empregos em determinado estabelecimento.

As cotas raciais têm sido um dos piores males do regime racista. Elas existiam nas universidades da Rússia czarista, na população das principais cidades da Rússia, etc. Uma das acusações contra os racistas neste país é que algumas escolas praticam um sistema secreto de cotas raciais. Foi considerada uma vitória para a justiça o fato dos questionários para empregos pararem de perguntar sobre a raça e a religião dos candidatos.

Atualmente, não é um opressor, mas um grupo minoritário oprimido, que está exigindo o estabelecimento de cotas raciais.

Esta exigência específica foi demais, até mesmo para os “liberais”. Muitos deles a denunciaram — apropriadamente — com chocada indignação.

Escreveu o The New York Times (23 de julho de 1963): “Os manifestantes estão seguindo um princípio verdadeiramente vicioso ao fazerem o ‘jogo dos números’. Uma exigência de que 25 por cento (ou qualquer outra porcentagem) de empregos sejam dados aos negros (ou a qualquer outro grupo) é errada por uma razão básica: requer um sistema de cotas, que é em si mesmo discriminador... Este jornal lutou por muito tempo contra uma cota religiosa com relação aos juízes; nós igualmente nos opomos à cota racial com respeito a empregos, dos mais nobres aos mais humildes”.

Como se o racismo óbvio desta exigência não fosse o suficiente, alguns líderes negros foram ainda mais longe. Whitney M. Young Jr., diretor executivo da Liga Urbana Nacional, fez a seguinte declaração (NY. Times, 1o de agosto): “A liderança branca deve ser honesta o suficiente para afirmar que, através de toda a nossa história, existiu uma classe privilegiada, especial, de cidadãos, que recebeu tratamento preferencial. Esta classe foi a branca. Agora, estamos dizendo: se dois homens, um negro e um branco, são igualmente qualificados para um emprego, contrate o negro”.

Considere as implicações desta declaração. Não exige simplesmente privilégios especiais com pretextos raciais — exige que os homens brancos sejam penalizados pelos pecados de seus ancestrais. Exige que um trabalhador branco seja recusado num emprego porque seu avô pode ter feito discriminação racial. Mas talvez seu avô não tenha feito. Ou talvez seu avô não tenha nem mesmo morado neste país. Já que estas questões não são consideradas, significa que este trabalhador branco deve ser cobrado por uma culpa racial coletiva, a culpa consistindo simplesmente na cor de sua pele.

O único comentário que se pode fazer sobre exigências deste tipo é: “Com que direito? — por qual código? — por qual critério?”

Essa política absurdamente nociva está destruindo a base moral da luta dos negros. O caso destes repousa no princípio dos direitos individuais. Se exigem a violação dos direitos dos outros, negam e confiscam os seus próprios. Então a mesma resposta aplica-se a eles, assim como aos racistas do Sul: não pode haver algo como “direito” de alguns homens de violarem os dos outros.

Contudo, toda a política dos líderes negros está, agora, movendo-se nesta direção. Por exemplo, a exigência por cotas raciais nas escolas, com o propósito de que centenas de crianças, brancas e negras, sejam forçadas a ir à escola em bairros distantes — com o propósito de “equilíbrio racial”. Isto é, novamente, puro racismo. Como oponentes desta exigência salientaram, designar crianças para determinadas escolas por motivo de raça é igualmente nocivo, se feito com propósito de segregação ou integração. E a mera ideia de usar crianças como fantoches num jogo político deve ultrajar seus pais, de qualquer raça, credo ou cor.

O projeto de lei de “direitos civis”, atualmente sob a consideração do Congresso, é outro exemplo de uma infração gritante aos direitos individuais. É correto proibir toda discriminação nas instalações e nos estabelecimentos governamentais: este não possui direito de discriminar qualquer cidadão. E, pelo mesmo princípio, não possui direito de discriminar alguns cidadãos, à custa de outros. Não possui o direito de violar o direito à propriedade privada, proibindo a discriminação em estabelecimentos pertencentes à iniciativa privada.

Nenhum homem, negro ou branco, possui qualquer direito à propriedade de outro. Os direitos de um homem não são violados pela recusa de um cidadão a tratar com ele. O racismo é uma doutrina nociva, irracional e moralmente desprezível — mas doutrinas não podem ser proibidas ou prescritas por lei. Assim como precisamos proteger a liberdade de discurso de um comunista, apesar de suas doutrinas serem nocivas, temos de proteger o direito de um racista ao uso e emprego de sua própria propriedade. O racismo privado não é uma questão legal, mas moral — e pode ser combatido apenas por meios privados, como boicote econômico ou ostracismo social.

É desnecessário dizer que, se este projeto de lei dos “direitos civis” for aprovado, será a pior transgressão aos direitos de propriedade no registro lamentável da história americana a respeito deste assunto.

Mas esse é o princípio do pior racista do Sul, que cobra de todos os negros a culpa racial coletiva de qualquer crime cometido por um indivíduo negro, e que trata a todos como inferiores, pelo motivo de que seus ancestrais eram selvagens.

É uma demonstração irônica da insanidade filosófica e da tendência consequentemente suicida de nossa era, o fato dos homens que precisam mais urgentemente da proteção dos direitos individuais — os negros — estarem agora na vanguarda da destruição destes direitos.

Uma palavra de advertência: não se tornem vítimas dos mesmos racistas, sucumbindo ao racismo; não sustentem, contra todos os negros, a irracionalidade vergonhosa de alguns de seus líderes. Nenhum grupo possui qualquer liderança intelectual adequada ou qualquer representação conveniente, na atualidade.

Para concluir, devo citar o editorial assombroso de 4 de agosto do The N.Y. Times — assombroso porque ideias desta natureza não são típicas de nossa época: “Porém a pergunta não deve ser se um grupo identificável em cor, características ou cultura possuí seus direitos como grupo. Não, a pergunta é se qualquer indivíduo americano, independentemente de cor, características ou cultura, é privado de seus direitos como americano. Se o indivíduo possui todos os direitos e privilégios pertencentes a ele sob a lei e a Constituição, não precisamos nos preocupar com grupos e massas — estes, de fato, não existem, exceto como figuras de linguagem.”


INTIMIDAÇÃO COMO ARGUMENTO

Quem conheceu a ascensão de Olavo de Carvalho nas redes sociais, turbinado pelos movimentos milenaristas que escolheram este neoconverso e compromissado militante como líder máximo, financiado por carros de som nas manifestações com o slogan Olavo Tem Razão, e denunciante implacável da imoralidade da juventude petista nas demonstrações públicas e eventos generalizados, ficou surpreso ao saber que a chamada direita liberal não foi capaz de dar resposta em tempo hábil à sua argumentação pateticamente anti-intelectual. Com o foco dirigido para a conspiração petista de destruição da sociedade, os liberais não foram capazes de segurar a avalanche de adesões ao olavismo, identificado como o salvador intelectual da brasilidade que, em frente ampla com os escombros do regime militar, se aglutinou na candidatura de Bolsonaro e na submissão de todo o pensamento político a seu comando.

Se a penetração de seu pensamento foi produto das redes sociais, a explicação para seu sucesso só pode ser concedida à psicologia social, que não vem ao caso para estas linhas. O importante é que suas ideias apareceram como uma revelação mística para as pessoas que nunca estudaram o Brasil fora da superficialidade cultural que nos caracteriza e que, através de um mundo de referências literárias desconhecido, se tornaram cativas de uma sabedoria capaz de destruir qualquer adversário pelo debate. Sua onipotência intelectual produzia temores em seus admiradores, e era cultivada como uma palavra sagrada, no qual qualquer deslize seria esmagado com a humilhação atroz do desafiante. Quem se atreveu a desafiar sua sabedoria imbatível foi atacado por um enxame de fanáticos com a beligerância de guardiões do templo sagrado do saber. Para combater a estupidez, lancei em primeira mão no Facebook do artifício do ad hominen, conseguindo reduzir a sanha insultante de seus militantes pela demonstração da técnica de combater uma pessoa no lugar de suas ideias. Arrefeceu para alguns, mas não foi suficiente. Para demonstrar que seu procedimento não era mais do que um truque de intimidação difundido pelos milhares de baba-ovos que o idolatram, publiquei o artigo de Ayn Rand abaixo: A INTIMIDAÇÃO COMO ARGUMENTO.

Em 1933, no ensaio intitulado “O triunfo da estupidez”, o filósofo Bertrand Russell escreveu: “O problema fundamental do mundo é que os estúpidos estão seguros de si mesmos e os inteligentes, cheios de dúvidas!” Poderia ter sido tomada como uma advertência séria, mas não foi e dificilmente o será enquanto o espírito crítico independente, o exame desapaixonado, o método empírico de examinar conteúdos e proposições, se chocar com o sectarismo de uma sociedade vertical em busca de ícones e símbolos para se redimir de sua inferioridade congênita.


Ayn Rand

(Julho de 1964)

Há um certo tipo de argumento que, de fato, não é um argumento, mas um meio de evitar debate e extorquir a concordância de um oponente com noções não discutidas. É um método de contornar a lógica por meio da pressão psicológica. Já que é particularmente predominante, na cultura de hoje, e o será mais, nos próximos meses, seria bom aprender a identificá-lo e a ficar prevenido contra ele.

Este método tem alguma semelhança com a falácia ad hominen, e vem da mesma raiz psicológica, mas é diferente, em essência. A falácia ad hominen consiste em tentar refutar um argumento pondo em dúvida o caráter de seu proponente. Exemplo: “O candidato X é imoral, portanto o seu argumento é falso”.

Mas o método da pressão psicológica consiste em ameaçar por em dúvida o caráter de um oponente por meio de seu argumento, pondo, assim, em dúvida, este, sem debate. Exemplo: “Somente os imorais podem não conseguir ver que o argumento do candidato X é falso”.

No primeiro caso, a imoralidade do candidato X (real ou inventada) é oferecida como prova da falsidade de seu argumento. No segundo caso, a falsidade do argumento é afirmada arbitrariamente e oferecida como prova de sua imoralidade.

Na selva epistemológica de hoje, este segundo método é usado mais frequentemente do que qualquer outro tipo de argumento irracional. Deve ser classificado como uma falácia lógica e pode ser designado como “O Argumento da Intimidação”.

A característica essencial do Argumento da Intimidação é o seu apelo à auto incerteza moral e sua confiança no medo, culpa ou ignorância da vítima. É usado na forma de um ultimato que exige que a vítima renuncie a uma suposta ideia, sem discussão, sob a ameaça de ser considerada indigna, do ponto de vista moral. O padrão é sempre o mesmo: “Somente aqueles que são nocivos (desonestos, desumanos, insensíveis, ignorantes, etc.) podem sustentar esta ideia”.

O exemplo clássico do Argumento da Intimidação é a história intitulada As Roupas Novas do Rei.

Nessa história, alguns charlatões vendem roupas inexistentes ao Rei, afirmando que a beleza incomum destas torna-as invisíveis para aqueles moralmente depravados de coração. Observe os fatores psicológicos envolvidos neste trabalho: os charlatões contam com a auto-incerteza do Rei; este não questiona a declaração daqueles, nem sua autoridade moral; rende-se de imediato, afirmando que certamente vê as roupas — negando, deste modo, a evidência de seus próprios olhos e invalidando sua própria consciência —, ao invés de enfrentar uma ameaça a sua precária autoestima. Sua distância da realidade pode ser medida pelo fato de preferir caminhar nu pela rua, exibindo suas roupas inexistentes ao povo — ao invés de arriscar-se a incorrer em condenação moral por dois vigaristas. O povo, movido pelo mesmo pânico psicológico, tenta exceder-se em exclamações ruidosas sobre o esplendor das roupas — até que uma criança grita que o Rei está nu.


Esse é o processo exato do funcionamento do Argumento da Intimidação, como está sendo explorado a nossa volta, atualmente.

Todos nós já ouvimos e ainda estamos ouvindo constantemente; “Apenas aqueles que carecem de instintos mais requintados, podem não conseguir aceitar a moralidade do altruísmo.” — “Apenas o ignorante pode não conseguir saber que a razão foi invalidada.” “Apenas os reacionários intimamente convictos podem defender o capitalismo.” — “Apenas os fomentadores de guerras podem opor-se às Nações Unidas.” — “Apenas a horda lunática ainda pode acreditar em liberdade.” — “Apenas os covardes podem não conseguir ver que a vida é um esgoto.” — “Apenas o superficial pode buscar a beleza, a felicidade, a conquista, os valores ou os heróis”.

Como um exemplo de um campo total de atividade baseado apenas no Argumento da Intimidação, dou-lhe a Arte Moderna — onde, para provar que realmente possuem a percepção especial dominada somente pela “elite” mística, os homens estão tentando ultrapassar uns aos outros em altas exclamações ao esplendor de algum pedaço rudimentar de tela (apenas manchada).

O Argumento da Intimidação domina de duas formas as discussões atuais. Em discursos e impressos, floresce na forma de longas, envolventes e elaboradas estruturas de palavrório ininteligível que transmite claramente uma ameaça moral. (“Apenas a pessoa de mente primitiva pode não conseguir perceber que a clareza é simplificação em demasia,”) Mas na experiência diária particular, ele surge de forma não-identificável, nas entrelinhas, na forma de sons inarticulados que exprimem implicações indeterminadas. Ele confia, não no que é dito, mas em como é dito — não no conteúdo, mas no tom de voz.

O tom é, geralmente, de incredulidade desdenhosa ou beligerante. “Certamente você não é um defensor do capitalismo, não é?” E se isto não intimidar a provável vítima — que responderá, apropriadamente: “Eu sou’ — o diálogo decorrente será mais ou menos assim: “Ah, você não pode ser! Não mesmo!” “Mesmo.” “Mas todos sabem que o capitalismo está fora de moda!” “Eu não.” “Ah, não!” “Já que eu não sei, você me diria, por favor, as razões para pensar que o capitalismo está fora de moda?” “Ah, não seja ridículo!” “Você me diria as razões?” “Bem, realmente, se você não sabe, provavelmente eu não poderia lhe dizer!” Tudo isso é acompanhado por sobrancelhas levantadas, olhares fixos arregalados, dar de ombros, grunhidos, risinhos e o arsenal completo de sinais não-verbais que dão indiretas funestas e comunicam vibrações emocionais de um único tipo: desaprovação. Se as vibrações falham, se os debatedores são desafiados, pode-se achar que estes não têm argumentos, evidências, provas, razões, nenhum motivo pra insistir — que sua agressividade barulhenta serve para esconder um vácuo — que o Argumento da Intimidação é uma confissão de impotência intelectual.

O arquétipo primordial deste Argumento é óbvio (e também as razões de seu apelo ao neomisticismo de nossa era): “Para aqueles que compreendem, nenhuma explicação é necessária; para aqueles que não compreendem, nenhuma é possível”.

A fonte psicológica deste Argumento é a metafísica social.

Um metafísico social é aquele que considera a consciência dos outros homens como superior à sua própria e aos fatos da realidade. Para um metafísico social, a avaliação moral que os outros fazem dele é um interesse primordial que substitui a verdade, os fatos, a razão, a lógica. A desaprovação de outros é tão destruidoramente apavorante para ele, que nada pode resistir ao impacto dentro de sua consciência; assim, negaria a evidencia de seus próprios olhos e invalidaria sua própria consciência pelo bem de qualquer sanção moral de um charlatão errante. Apenas um metafísico social poderia imaginar este absurdo de esperar ganhar um argumento intelectual insinuando: “Mas as pessoas não gostarão de você!”

No sentido estrito das palavras, um metafísico social não concebe seu Argumento em termos conscientes: ele “instintivamente” o encontra por introspecção — já que representa sua maneira psico-epistemológica de vida. Todos nós já encontramos o exasperante tipo de pessoa que não ouve o que se diz, mas sim as vibrações emocionais da voz, ansiosamente traduzindo-as em aprovação ou desaprovação, e assim respondendo de acordo. Este é um tipo de Argumentação da Intimidação auto-imposto, ao qual um metafísico social se rende na maioria de seus contatos humanos. E, assim, quando encontra um adversário, quando suas premissas são desafiadas, imediatamente recorre à arma que mais o aterroriza: a retirada de uma sanção moral.

Já que esse tipo de terror é desconhecido dos homens saudáveis psicologicamente, estes podem aceitar o Argumento da Intimidação precisamente por causa de sua inocência. Incapazes de compreender este motivo do Argumento ou acreditar que é simplesmente um blefe sem sentido, presumem que o seu usuário possui algum tipo de conhecimento ou razões para apoiar suas asserções aparentemente autoconfiantes e beligerantes; eles dão-lhe o beneficio da dúvida — e são deixados numa confusão desamparadamente desnorteante. É assim que os metafísicos sociais podem vitimar os jovens, os inocentes, os conscienciosos.

Isto é particularmente predominante nas salas de aula de faculdades. Muitos professores usam o Argumento da Intimidação para sufocar a opinião independente dos alunos, fugir das perguntas que não conseguem responder, desencorajar qualquer análise crítica de suas suposições arbitrárias ou qualquer divergência do status quo intelectual.

“Aristóteles? Meu caro amigo” — (suspiro cansado) “Se você tivesse lido o artigo do Professor Spiffkin” — (respeitosamente) “no exemplar de janeiro de 1912 da revista Intellect, o qual” —- (desdenhosamente) “obviamente você não leu, saberia” — (vagamente) “que Aristóteles foi desmentido”.

“Professor X?” (X no lugar do nome de um destacado teórico da economia de livre mercado) “Estaria você citando o Professor X? Ah, não, não mesmo!” — seguido por um sarcástico sorriso entredentes com intenção de transmitir que o Professor X já tinha sido completamente desacreditado. (Por quem? Sem resposta).

Estes professores são, frequentemente, ajudados pelo esquadrão dos inconvenientes “liberais” da sala de aula, que morrem de rir nos momentos apropriados.

Em nossa vida política, o Argumento da Intimidação é quase que o método exclusivo de discussão. Predominantemente, os debates políticos atuais consistem em dois tipos: tentativas de difamação e desculpas, ou intimidação e apaziguamento.[No Brasil dizemos "morde e assopra"]. O primeiro geralmente é (embora não exclusivamente) praticado pelos “liberais”; o segundo, pelos “conservadores”. Os campeões, a este respeito, são os republicanos “liberais”, que praticam ambos: o primeiro, para com os seus colegas republicanos “conservadores” — o segundo, para com os democratas.

Todas as tentativas de difamação são Argumentos da Intimidação: consistem em afirmações pejorativas sem qualquer evidência ou prova, oferecidas como um substituto destas, com o objetivo de atingir a covardia moral ou a credulidade irrefletida dos ouvintes.

O Argumento da Intimidação não é novo: tem sido usado em todas as épocas e culturas; raramente, porém, em tão larga escala como hoje. É usado mais cruelmente na política do que em qualquer outro campo de atividade, mas não é restrito àquela área. Penetra em nossa cultura inteira. É um sintoma de falência cultural. Como se resiste a este Argumento? Existe apenas uma arma contra ele: certeza moral.

Quando se entra numa batalha intelectual, importante ou não, pública ou privada, não se pode buscar, desejar ou esperar a aprovação do inimigo. Verdade ou falsidade deve ser a preocupação única de alguém e seu exclusivo critério de julgamento — não aprovação ou desaprovação de alguém; e, acima de tudo, não a aprovação daqueles cujos padrões são opostos aos que se tem.

Deixe-me enfatizar que o Argumento da intimidação não consiste em introduzir julgamento moral em questões intelectuais, mas em substituir o julgamento moral pelo argumento intelectual. Avaliações morais estão implícitas na maioria das questões intelectuais; não é simplesmente admissível, mas imperativo, expressar um julgamento moral quando e onde apropriado; suprimir este julgamento é um ato de covardia moral. Um julgamento moral, porém, sempre deve seguir e não preceder (ou substituir), as razões nas quais é baseado.

Quando se dá razões ao veredito de alguém, assume-se responsabilidade por ele e coloca-se a si mesmo à disposição para um julgamento objetivo: se as razões deste alguém são erradas ou falsas, sofrem-se as consequências. Mas condenar sem dar razões é um ato de irresponsabilidade, uma maneira de conduzir do tipo “bate e foge”, que é a essência do Argumento da Intimidação.

Observe que os homens que usam este Argumento são os que temem um ataque moral fundamentado, mais do que qualquer outro tipo de batalha — e quando encontram um adversário moralmente confiante, são os mais ruidosos ao protestar que a “moralização” deve ser mantida fora das discussões intelectuais. Mas discutir-se o nocivo de uma maneira que implique neutralidade, é sancioná-lo.

O Argumento da Intimidação ilustra por que é importante estar-se certo das próprias premissas e motivos morais. Ilustra o tipo de cilada intelectual que aguarda aqueles que se aventuram sem um conjunto de convicções completas, claras e consistentes, inteiramente integradas do início ao fim aos fundamentos — aqueles que precipitadamente saltam para a batalha, armados apenas com poucas noções casuais, flutuando na névoa do desconhecido, do não-identificado, do não-provado e sustentado apenas por seus sentimentos, esperanças e medos. O Argumento da Intimidação é o seu merecido destino. Em questões morais e intelectuais, não é suficiente estar-se certo: deve-se saber que se está certo.

O exemplo que mais ilustra a resposta adequada ao Argumento da Intimidação foi dado, na história americana, pelo homem que, rejeitando os padrões morais do inimigo com total certeza de sua própria retidão, disse:

“Se for traição, tire todas as vantagens que puder”.


19 de outubro de 2016

OS CONSTRUTORES DE MONUMENTOS

Ayn Rand

(Dezembro de 1962)

O que foi uma vez um pretenso ideal, é agora um esqueleto esfarrapado agitando-se como um espantalho ao vento, sobre todo o mundo; mas os homens carecem de coragem para dar uma olhada para cima e descobrir a caveira com seu sorriso malicioso exposto sob os trapos ensanguentados. Este esqueleto é o socialismo.

Há cinquenta anos atrás, deve ter havido alguma desculpa (embora sem justificativa) para a crença generalizada de que o socialismo é uma teoria política motivada pela benevolência e que aspira a conquista do bem-estar dos homens. Hoje, esta crença já não pode ser considerada como um erro inocente. O socialismo foi tentado em cada continente do globo. À luz de seus resultados, está na hora de se perguntar os motivos dos defensores do socialismo.

A característica essencial do socialismo é a negação dos direitos da propriedade individual; sob este sistema, o direito à propriedade (o direito de uso e controle) é outorgado à “sociedade como um todo”, isto é, coletivamente; a produção e a distribuição são controladas peio Estado, ou seja, pelo governo.

O socialismo pode ser estabelecido pela força, como na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas — ou por voto, como na Alemanha (Nacional Socialista) Nazista. O grau de socialização pode ser total, como na Rússia — ou parcial, como na Inglaterra. Teoricamente, as diferenças são superficiais; na prática são apenas uma questão de tempo. O princípio básico, em todos os casos, é o mesmo.

Os supostos objetivos do socialismo eram: abolição da pobreza, conquista da prosperidade geral, do progresso, da paz e da fraternidade humana. Os resultados têm sido um fracasso aterrorizante —- aterrorizante no caso da razão ser o bem-estar dos homens.

Ao invés de prosperidade, o socialismo trouxe a paralisia e/ou colapso econômico a cada país que o experimentou. O grau de socialização tem sido o grau do desastre. As consequências têm variado correspondentemente.

A Inglaterra, uma vez a nação mais livre e mais orgulhosa da Europa, foi reduzida ao status de uma potência de segunda classe e está perecendo lentamente de hemofilia, perdendo o melhor de seu sangue econômico: a classe média e os profissionais. Os homens capazes, competentes, produtivos e independentes estão partindo aos milhares, migrando para o Canadá ou Estados Unidos, na busca da liberdade. Estão fugindo do reino da mediocridade, desse desagradável lar para pobres de onde, tendo vendido seus direitos em troca de dentaduras grátis, os reclusos estão agora se queixando que preferem ser vermelhos do que mortos.

Em países mais completamente socializados, a fome foi o começo, a insígnia que anunciava o regime socialista — como na Rússia Soviética, na China Vermelha, em Cuba. Nestes países, o socialismo reduziu o povo a uma pobreza inexprimível de eras pré-industriais, à literal inanição, e manteve-os num nível estagnado de miséria.

Não, não é “apenas temporário”, como os apologistas do socialismo têm dito por meio século. Após quarenta e cinco anos de planejamento governamental, a Rússia ainda é incapaz de resolver o problema de alimentar sua população.

No que diz respeito à produtividade superior e à rapidez de progresso econômico, a pergunta de todas as comparações entre o capitalismo e o socialismo foi respondida de uma vez por todas — para qualquer pessoa honesta — pela presente diferença entre Berlim Ocidental e Oriental.

Ao invés de paz, o socialismo apresentou um novo tipo de insensatez horripilante, nas relações internacionais — a “guerra fria”, que é o estado de guerra crônica com períodos não declarados de paz entre invasões injustificadamente repentinas — com a Rússia apoderando-se de um terço do globo, com as tribos e nações socialistas nas gargantas uns dos outros, com a Índia socialista invadindo Goa, e a China comunista invadindo a Índia socialista.

Um sinal eloquente da corrupção moral de nossa era é a complacência insensível com a qual a maioria dos socialistas e seus simpatizantes, os “liberais”, consideram as atrocidades perpetradas nos países socialistas. É como aceitam o governo pelo terror como um meio de vida — enquanto posam como defensores da “fraternidade humana”. Na década de trinta deste século, protestaram contra as atrocidades da Alemanha Nazista. Mas, aparentemente, não foi uma questão de princípios, mas apenas o protesto de uma gangue rival lutando pelo mesmo território — porque não ouvimos mais suas vozes.

Em nome da “humanidade”, eles toleram e aceitam a abolição de toda liberdade e todos os direitos, a expropriação de toda a propriedade, execuções sem julgamento, câmaras de torturas, campos de trabalho escravo, a chacina em massa de incontáveis milhões na Rússia Soviética — e o horror sangrento de Berlim Oriental, incluindo os corpos crivados de balas de crianças que tentavam escapar.

Quando se observa, como num pesadelo, esforços desesperados feitos por centenas de milhares de pessoas lutando para fugir dos países socializados da Europa, para fugir das cercas de arame farpado, sob o fogo de metralhadoras — já não se pode acreditar que o socialismo, em qualquer de suas formas, é motivado pela benevolência e pelo desejo de alcançar o bem-estar dos homens.

Nenhum homem autenticamente benevolente poderia fugir ou ignorar tamanho horror em tão vasta escala.

O socialismo não é um movimento do povo. É um movimento de intelectuais, levado por eles para fora de suas torres sufocantes de marfim em direção a estes campos sangrentos da prática onde se unem com seus aliados e executores: os facínoras.


Qual é então o motivo destes intelectuais? Ânsia de poder. A ânsia de poder — como uma manifestação de desamparo, de auto-repugnância e de desejo pelo não-merecido.

O desejo pelo não-merecido tem dois aspectos: o não-merecido em matéria e o não-merecido em espírito. (Por “espírito” quero dizer: a consciência do homem.) Estes dois aspectos estão necessariamente interrelacionados, mas o desejo de um homem pode ser focalizado predominantemente em um ou em outro. O desejo pelo não-merecido em espírito é o mais destrutivo dos dois e o mais corrupto. É o desejo pela magnitude não-merecida, é expresso (mas não definido) pela escuridão nebulosa do termo “prestígio”.

Os caçadores de benefícios materiais não-merecidos são simplesmente parasitas financeiros, vagabundos, saqueadores ou criminosos, limitados demais em número e em inteligência para serem uma ameaça à civilização, até e a menos que sejam libertados e legalizados pelos caçadores da grandiosidade não-merecida.

A grandiosidade não-merecida é tão irreal, tão neurótica em conceito, que o infeliz que a procura não pode identificá-la: identificá-la é torná-la impossível. Ele precisa de slogans irracionais e indefiníveis do altruísmo e do coletivismo para dar uma forma semi-plausível ao seu impulso anônimo e ancorá-lo na realidade — para sustentar sua própria auto-decepção mais do que enganar suas vítimas. “O público”, “o interesse público”, “o serviço ao público” são os meios, as ferramentas, os pêndulos oscilantes da auto-hipnose daquele que vive a ânsia do poder.

Dado que não existe a entidade “o público”; dado que o público é simplesmente um número de indivíduos, qualquer pretensão ou conflito implícito entre “interesse público” e interesses privados significa que os interesses de alguns homens devem ser sacrificados aos interesses e desejos de outros. Já que o conceito é tão convenientemente indefinível, seu uso repousa apenas em qualquer habilidade das supostas gangues para declarar que “o público,c’est moi” — e sustentar a pretensão a ponta de faca.

Nenhuma pretensão desse tipo foi ou pôde alguma vez ser mantida sem ajuda de uma arma — isto é, sem força física. Mas, por outro lado, sem esta pretensão, os pistoleiros permaneceriam no lugar a que pertencem: no submundo, e não subiriam aos conselhos de estado para dirigir os destinos das nações.

Há duas maneiras de reclamar que “o público, c’est moi”: uma é praticada pelo parasita moral bruto que clama por distribuições governamentais em nome de uma necessidade “pública” e embolsa o que não mereceu; a outra é praticada por seu líder, o parasita espiritual que tira sua ilusão de “grandiosidade” — como um receptador acolhendo produtos roubados — do poder para dispor do que não mereceu e da visão mística de si mesmo como a voz encarnada “do público”.

Dos dois, o parasita material é o psicologicamente mais saudável e mais próximo da realidade; pelo menos, come ou veste seu saque. Porém, a única fonte de satisfação aberta ao parasita espiritual, seu único meio de ganhar “prestígio” (além de dar ordens e espalhar terror), é a mais supérflua, inútil e sem sentido de todas as atividades: a construção de monumentos públicos.

A grandiosidade é alcançada pelo esforço produtivo da mente de um homem na busca de objetivos racionais claramente definidos. Mas uma ilusão de grandeza pode ser realizada apenas pela mutável e indefinível quimera de um monumento público — apresentado como um presente generoso às vítimas cujo trabalho forçado e dinheiro extorquido pagaram-no — dedicado ao serviço de todos e de ninguém, pertencente a todos e a ninguém, admirado por todos e aproveitado por ninguém.

Esta é a única maneira que os dirigentes têm de aplacar sua obsessão: “prestígio”. Prestígio — aos olhos de quem? De ninguém. Aos olhos de suas vítimas torturadas, dos mendigos nas ruas de seu remado, dos aduladores de sua corte, das tribos estrangeiras e seus dirigentes. Foi para impressionar a todos estes olhos — os olhos de todos e de ninguém — que o sangue de gerações de súditos foi derramado e gasto.

Pode-se ver, em certos filmes bíblicos, uma imagem gráfica do significado da construção de um monumento público: a construção das pirâmides. Hordas de homens famintos, esfarrapados e emagrecidos fazendo um último esforço com seus músculos insuficientes à tarefa desumana de puxar as cordas que arrastam enormes pedaços de pedra, esforçando-se como bestas de carga torturadas sob as chicotadas de feitores, desfalecendo no trabalho e morrendo nas areias do deserto — para que um faraó morto possa descansar numa estrutura imponentemente sem sentido e, deste modo, ganhar o “prestígio” eterno aos olhos das futuras gerações por nascerem.

Templos e palácios são os únicos monumentos deixados pelas civilizações primitivas do gênero humano. Foram criados pelos mesmos meios e ao mesmo preço — um preço não justificado pelo fato de que os povos primitivos indubitavelmente acreditavam, enquanto morriam de fome e exaustão, que o “prestígio” de sua tribo, seus dirigentes e seus deuses era, de alguma maneira, de valor para eles.

Roma caiu, falida por tributos e controles do Estado, enquanto seus imperadores estavam construindo coliseus, Luís XIV da França tributou seu povo até o estado de indigência, enquanto construía o Palácio de Versalhes para que monarcas seus contemporâneos o invejassem e para os turistas modernos visitarem. O metrô revestido de mármore em Moscou, construído pelo trabalho “voluntário” e não-pago de trabalhadores russos, incluindo mulheres, é um monumento público, assim como o é o luxo similar das recepções czaristas a caviar e champanha nas embaixadas soviéticas, necessárias — enquanto o povo fica na fila por rações insuficientes de comida — para "manter o prestígio da União Soviética".

A grande distinção dos Estados Unidos da América, até as últimas poucas décadas, foi a modéstia de seus monumentos públicos. Estes monumentos tal como existiam eram genuínos: não eram erigidos para “prestígio”, mas eram estruturas funcionais que acolhiam eventos de grande importância histórica. Se você já viu a austera simplicidade do Independence Hall, percebeu a diferença entre uma grandeza autêntica e as pirâmides de “espírito público” dos caçadores de prestígio.

Na América, o esforço humano e os recursos materiais não foram expropriados para a construção de monumentos e projetos públicos, mas gastos do progresso do bem-estar individual, pessoal e particular de cada cidadão. A magnitude da América repousa no fato de que seus monumentos reais não são públicos.

O horizonte de Nova Iorque é um monumento de um esplendor a que nenhuma pirâmide ou palácio se igualará ou aproximar-se-á. Porém os arranha-céus não foram construídos com fundos públicos, nem com um propósito público: foram construídos pela energia, iniciativa e riqueza dos indivíduos comuns para lucro pessoal. E, ao invés do empobrecimento do povo, estes arranha-céus, assim como subiram cada vez mais altos, continuaram aumentando o padrão de vida do povo — incluindo os habitantes das favelas, que levam uma vida de luxo, comparada à dos antigos escravos egípcios ou de um trabalhador socialista moderno.


Esta é a diferença — na teoria e na prática — entre o capitalismo e o socialismo.

É impossível calcular o sofrimento humano, a degradação, as privações e o horror que constituíram o pagamento de um único dos chamativos arranha-céus de Moscou, ou das fábricas soviéticas, ou minas ou barragens, ou qualquer parte de sua “industrialização” sustentada a sangue e saques. O que de fato sabemos, entretanto, é que quarenta e cinco anos é um longo tempo: é o tempo de duas gerações; sabemos, também, que, em nome de uma prometida abundância, duas gerações de seres humanos têm vivido e morrido em pobreza sub-humana; e sabemos, também, que os defensores atuais do socialismo não são desencorajados por um fato deste tipo.

Independentemente do motivo que eles possam dar, a benevolência é algo a que já há muito perderam o direito de reivindicar.

A ideologia da socialização (numa forma neofascista) está atualmente flutuando, por negligência, através do vácuo de nossa atmosfera cultural e intelectual. Observe quão frequentemente somos questionados por "sacrifícios" indefinidos para propósitos não-especificados. Observe quão frequentemente a administração presente está invocando “o interesse público”. Observe que proeminência a questão do prestígio internacional repentinamente adquiriu, e que políticos grotescamente suicidas são justificados por referências a questões de “prestígio”. Observe que durante a recente crise cubana — quando a questão factual dizia respeito a mísseis e guerra nucleares — nossos diplomatas e comentaristas acharam adequado pesar seriamente em coisas como o “prestígio”, os sentimentos pessoais e o “salvar as aparências” dos diversos dirigentes socialistas envolvidos.

Não há distinção entre os princípios, as políticas e os resultados práticos do socialismo — e daqueles de qualquer tirania histórica ou pré-histórica. O socialismo é simplesmente uma monarquia absolutista democrática — isto é, um sistema de absolutismo sem um chefe fixo, aberto ao roubo de poder por todos os que se aproximam, por qualquer alpinista implacável, oportunista, aventureiro, demagogo ou facínora.

Quando você julgar o socialismo, não se engane sobre a sua natureza. Lembre-se de que não há a tal dicotomia de “direitos humanos” versus “direito de propriedade”. Nenhum direito humano pode existir sem direito à propriedade. Já que os produtos materiais são produzidos pela mente e esforço de homens individuais, e são necessários para sustentar suas vidas, se o produtor não possui o resultado de seu esforço, não possui sua própria vida. Negar os direitos de propriedade significa transformar homens em propriedades possuídas pelo Estado. Quem quer que reivindique o “direito” a “redistribuir” a riqueza produzida por outros, estará reivindicando o “direito” de tratar os seres humanos como um bem móvel.

Quando você julgar a devastação global perpetrada pelo socialismo, o mar de sangue e os milhões de vítimas, lembre-se de que estas foram sacrificadas, não pelo “bem da humanidade”, nem por um “ideal nobre”, mas pela vaidade envenenada de algum brutamontes amedrontado ou alguém mediocremente pretensioso que almejou um manto de “grandeza” não-merecida — e que o monumento ao socialismo é uma pirâmide de fábricas públicas, teatros públicos e parques públicos, erigidos sobre a fundação de um cadáver humano, com a figura do dirigente posando no alto, batendo no peito e gritando sua justificativa pelo “prestígio” ao vazio sem estrelas abaixo dele.