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9 de setembro de 2020

A Mente Conspirativa

Carlos U Pozzobon

Usada e abusada como explicação ontológica dos males do Brasil e do mundo, a teoria da conspiração apareceu entre as curiosidades que a última eleição presidencial nos trouxe. De repente, começaram a aparecer versões malucas da história, citações de líderes incondizentes com suas obras, revisionismo elogiando regimes autoritários e um festival de besteiras movido por uma articulação com o objetivo de eleger Bolsonaro. Com o passar dos meses era possível perceber que não se tratava de autores isolados, mas de um método. Que método é esse?

Idolatria

Nas entrelinhas da narrativa, verificamos que existe um propósito claro de analisar os fenômenos político-sociais atrelados a uma figura central que representa a liberdade e luta arduamente contra seus inimigos. Não se trata de fetiches ou religião. A idolatria é ao chefe político — o inefável líder que nos salvou do mal e que, encurralado pelos demônios, luta bravamente para extirpar as forças da corrupção no país.

Ao contrário de movimentos como o Black Lives Matter que luta para desestabilizar a ordem através do revisionismo histórico pisoteando a tradição, propondo a mudança de valores, a desconstrução de princípios que fundamentam a sociedade americana, impondo mudanças das representações e símbolos do passado — , a mente conspirativa atua sempre no sentido de aninhar todos os relatos na defesa do líder.

O propósito é explicar os fenômenos comparando-os a acontecimentos diferentes, como se fossem correlacionados e perigosamente ameaçadores à ordem institucional, quando o narrador pretende defendê-la (ou atacá-la), elucubrando as atitudes de um governo a acontecimentos de regimes totalitários do passado para mostrar suas similaridades.

Importa observar que o conspiracionista coloca sua mente em defesa da advertência alarmista, da ameaça comunista, fascista, racista, nazista ou daquilo que pretende combater. Suas motivações são as mais variadas e circunstanciais.
O conspiracionista não se satisfaz em defender uma ideia. Ele está sempre combatendo outra. Não verdade não tem ideias, mas análises comparativas com base na relatividade do menos pior. Mais do que um simpático, milita em favor da causa.

A defesa do líder tem uma base quantitativa de comparação. Se o roubo da Petrobras foi o maior do mundo, todos os outros podem ser minimizados, com base no relativismo estatístico. Desta forma, a defesa do líder fica assegurada pelo raciocínio que iguala o roubo irrisório de uma barra de chocolate no supermercado com o desvio bilionário de uma estatal ocorrida no governo do adversário.

A defesa apela para argumentos sórdidos do tipo: "mas por que falam disso se tem gente que roubou muito mais e não é molestada pela imprensa e pelo MP?" Levado ao exremo, o argumento pretende normalizar a corrupção com base numa hierarquia de valores, acompanhada, naturalmente, da desculpa moral de ter encontrado um alívio para a culpabilidade.


Dentre as dezenas de narrativas conspiracionistas que tenho lido, escolhi uma que revela inteiramente o teor do método:

Método DDD

O psicólogo Albert Biderman estudou táticas chinesas para tortura e doutrinação comunista conhecidas como DDD, expostas no trabalho de psicologia de I. E. Farber, “Lavagem Cerebral, Condicionamento e DDD ”(Debility, Dependence, Dread - Debilidade, Dependência, Pavor).

  O objetivo maior da DDD é, por meio de um amplo processo de lavagem cerebral, tornar a vítima dependente do seu torturador, a partir de um medo constante que lhe faz crer estar mais seguro sob a custódia dele do que em liberdade.

[A maioria dos textos começa com a citação de uma autoridade no assunto, apresentando o tema com uma argumentação conhecida e aceita pelo leitor, para logo a seguir apontar para o alvo:]

Mas o que mais chama a atenção nisso é que as táticas do método DDD são idênticas ao que se está impondo, hoje, sob pretexto de controle da pandemia.

[Pronto: foi dado o pulo do gato que caracteriza eloquentemente o resto da narrativa conspirativa: a identidade na diversidade, a utilização de um fato de uma ocorrência histórica para igualar com aquilo que pretende atacar, quando o objeto estiver em desacordo com as ideias correntes do líder idolatrado.]

Eis a seguir os 8 passos do Método DDD expostos pelo psicólogo americano Albert Biderman e publicados pelo Report on Torture de 1972 da Anistia Internacional”.

1o. - Isolamento da vítima

O primeiro passo do método é isolar a vítima e fazer com que ela perca contato com o mundo lá fora.

No nosso caso, particularmente, podemos chamar de 'isolamento social' ou 'quarentena'.

[O primeiro lance é fatal: qualquer pessoa minimamente informada percebe que a comparação forçada de vítimas de campos de concentração com o isolamento social da pandemia é coisa de maluco. Mas o maluco sabe que é maluco? Eventualmente, ao se esconder em um pseudônimo ele confessa o temor em se assumir. Com isso, se isenta da responsabilidade pelo que escreve porque seu propósito é ideológico.]

2o. - Controlar a percepção da vítima sobre a realidade.

O segundo passo é tomar o controle sobre aquilo que ela pensa e sobre a sua percepção da realidade.

Consegue-se isso detendo o monopólio da informação, que será usado para desorientar a vítima já confinada.

Com o advento da TV e dos jornais, a capacidade que os donos do poder ganharam de exercer esse controle sobre a mentalidade popular é monstruosa.

Basta ligar a TV ou abrir os jornais que você poderá ver essa tática sendo colocada em prática abertamente.

[A explicação apresenta um instrumento social para acontecer o controle da mente: a imprensa. Agora já sabemos quem são os vilões. Não importa que a imprensa esteja reproduzindo informações de laboratórios médicos, universidades, institutos ou o que valha. Aqui existe a homogeneidade do conspirador contra o conspirado, no caso, o povo.]

3o. Levar a vítima à exaustão física ou mental

Muitas práticas podem ser colocadas a serviço do passo três, desde jogos mentais a torturas físicas. O importante aqui é tirar a vítima do seu eixo e fazer com que ela perca o equilíbrio emocional. Longos períodos de confinamento combinados com ócio forçado e cenários apocalípticos iminentes não seriam por acaso, uma forma perfeita de alcançar a exaustão mental? Eles sabem que sim.

[Aqui temos uma associação de ócio forçado com terrorismo psíquico, um silogismo bárbaro mas não gratuito, porque o autor pretende mostrar que o combate à pandemia é feita com os instrumentos dos regimes totalitários. Se tais instrumentos foram utilizados em Nova York, Milão, Londres, Paris e Madri, o mínimo que se pode dizer é que o mundo está perdido.]

4o. Alimentar a ansiedade e estresse com ameaças

Em seguida, vem o passo 4 que completa o 3, no sentido de bombardear a vítima com ameaças e terrorismo psicológico. Isso num campo de concentração pode ser feito com ameaças reais de matar a própria vítima ou a sua família.

Já em tempos de pandemia, o medo entra na nossa mente pelos próprios meios de comunicação que insistentemente repetem que as pessoas que mais amamos estão correndo sério risco de vida e podem morrer a qualquer momento.

[O texto confessa a similaridade existente entre os campos de concentração e a pandemia, porque tratada com o alarmismo natural que sua ameaça provoca, é justificada pelo risco de vida. Trata-se de uma visão coerente com a opinião da “gripezinha”.]

Além disso, o fechamento da economia coloca o emprego e a segurança familiar de milhões de pessoas em cheque, gerando cada vez mais estresse e ansiedade. 

De acordo com o Manual de Treinamento da CIA publicado em 1983 no livro Human Resource Exploitation Training Manual, muitos psicólogos afirmam que a simples ameaça de induzir debilidades é mais eficiente do que a debilidade em si.

[A conclusão óbvia é que se a pandemia não fosse tratada com rigor, não haveria o risco da ansiedade coletiva pelo desemprego maciço. No parágrafo seguinte, a opinião conspiratória é reforçada por um documento expedido por uma autoridade que legitima a identidade dos métodos totalitários com a pandemia.]

5o. - Praticar indulgências ocasionais

“Algumas concessões ocasionais podem ser firmadas para premiar a vítima e motivá-la a cooperar com os desmandos do torturador. 

Exemplo: 'se você usar máscara, passar álcool gel toda hora, não chegar perto de ninguém, medir a temperatura antes de entrar nos lugares, ficar de pé esperando exatamente onde está delimitado no chão que você pode ficar, sair de casa só para o que for extremamente necessário, voltar direto pra casa correndo e cumprir mais 1001 exigências desnecessárias, nós deixaremos você ir até a esquina comprar pão'. Entenderam como funciona a 'troca'?”

[O argumento avança em sua asnice implacável: a adoção universal de métodos de isolamento para combate ao coronavírus é remediado por uma indulgência, uma concessão das autoridades locais para não deixar o povo morrer de fome.]

6o. - Exibir manifestações de onipotência

Fechar a economia de países inteiros da noite para o dia? Passar por cima das leis e da Constituição? Mandar prender as pessoas só porque elas saíram de casa? Interferir na forma como as pessoas se relacionam e na dinâmica interna das famílias dentro de seus lares? Impedir as pessoas de casar, de ir às igrejas ou de dar um mergulho no mar? Todas essas são demonstrações bem claras de 'quem é que manda'.

[O narrador reconhece que o fenômeno acontece em diversos países, com seus atores agindo contra as leis e a constituição. E, prender pessoas implacavelmente só por saírem de casa ou impedi-las de casar e até mesmo de irem à Igreja. Trata-se de uma generalização que pretende fazer do excepcional uma normalidade, apenas porque o narrador não concorda com o distanciamento e isolamento social. Seria de perguntar: será que passando a pandemia as coisas não voltam ao normal, ou as pessoas ficarão para sempre impedidas dos antigos hábitos sociais?]

7o. - Fomentar a degradação do ser humano

Punir publicamente de forma humilhante, arrastando cidadãos honestos como se fossem bandidos de altas periculosidade, a desobediência pode inclusive ser justificativa para entrar na sua casa e expor como exemplo público.

Isso mostrado continuamente faz com que o indivíduo acabe aceitando o destino imposto pelas autoridades pois isso lhe causa menos danos que resistir - 'resistir é inútil' - reduz o indivíduo à condição de um animal enjaulado onde o 'tratador' lhe trará o que for necessário para sua sobrevivência.

[Neste ponto o narrador passa do geral ao particular. Porém, o particular explica o geral, por alguma razão misteriosa. Como a de que ou a maioria é objeto de busca policial por desobediência, ou o desobediente está certo e o estado errado e, amedrontado, se entrega mentalmente a seus algozes.]

8o. - Reforço das demandas triviais

O poder muda as regras de acordo com as necessidades do momento, isso desenvolve hábitos de conformidade com as restrições impostas pelo sistema que aplica regras minuciosas e punições rígidas e fora da realidade para quem as quebra, mudam os discursos criando jogos mentais para com os indivíduos, as permissões e a liberdade podem nos ser tiradas a qualquer momento, bastando que se crie um bom pretexto para isso.

Esses são os 8 passos do método chinês de lavagem cerebral, chamado DDD. Coincidentemente, todos eles estão sendo aplicados hoje a nível global em um experimento de controle social tão monumental que a maioria das pessoas não consegue sequer vislumbrar que possa existir.

E essa é a prova maior de que esse método não só está sendo posto em prática, sim, como está funcionando (!!!), pois, lembrem-se do objetivo citado no início: 'por meio da doutrinação, tornar a vítima dependente do seu torturador'.

[O método chinês, possivelmente maoista, está sendo usado em escala global para tratar a pandemia em países onde existe a liberdade, mas a democracia estando hipnotizada pela conspiração, não permite que se saiba que sub-repticiamente ela é usada para a introdução de controle social ao modo do comunismo. Para pessoas ilustradas, a paranoia conspirativa não passa de uma bobagem: para pessoas angustiadas e sem noção histórico-social, pode causar o efeito devastador de trocar o medo do vírus pelo medo das forças do mal “articuladas para destruir a liberdade”].


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