Translate

26 de abril de 2020

China na Ofensiva



Precisamos Retomar Nosso Carisma Frente à China



David P. Goldman, presidente da Macrostrategy LLC, escreve a coluna "Spengler" do Asia Times Online e o blog "Spengler" da PJ Media, e é autor de Como morrem as civilizações (e por que o Islã também está morrendo) (Regnery).



Bill Gertz é o decano dos jornalistas de defesa americanos e traz um vasto conhecimento e uma abundância de fontes no seu último livro. Sua análise dos esforços da China para obter uma vantagem decisiva na tecnologia militar é uma leitura indispensável para qualquer pessoa preocupada com a rápida ascensão de um possível adversário. Gertz é um repórter, acima de tudo, e Deceiving the Sky: Inside Comunist China Drive for Global Supremacy destila o pensamento do estabelecimento militar e de inteligência dos EUA em uma apresentação concisa e altamente legível.


O que não sabemos

As lacunas do livro são menos culpa do correspondente sênior de defesa do Washington Times e do Washington Free Beacon do que do próprio estabelecimento de segurança nacional americano. Nossas instituições não têm uma compreensão clara do que a China está fazendo e o que devemos fazer em resposta. Em meio à impressionante massa de detalhes, os leitores ficam imaginando o que os chineses realmente querem. Se eles dominassem o mundo, o que fariam com isso? No caso da Alemanha nazista ou da União Soviética, sabemos a resposta, porque vimos alemães e russos trabalhando como ocupantes. A China atingiu suas fronteiras atuais em grande parte em 800 dC durante a dinastia Tang e demonstrou pouco interesse em enviar tropas para ocupar outros países.

Uma questão relacionada envolve a ordem de batalha da China. O que a China espera alcançar com suas armas anti-satélite, mísseis porta-aviões, dispositivos anti-submarinos e assim por diante? Gertz apresenta o tipo de cenário de guerra que os oficiais enfrentam, como é óbvio, sem explicar quais seriam os objetivos da guerra chinesa.

Uma questão fundamental é a distinção entre o notório roubo de tecnologia dos EUA pela China e suas inovações domésticas. Até a página 185, lemos sobre a invenção chinesa mais marcante e estrategicamente importante:

>Uma grande preocupação para os planejadores de defesa e estrategistas de inteligência americanos é o desejo da China de implantar comunicações quânticas extremamente seguras. Esse desenvolvimento foi anunciado pela China em agosto de 2016. As comunicações quânticas para os chineses são projetadas para produzir criptografia que não pode ser quebrada – um recurso que dificultaria o que tem sido uma vantagem estratégica para os Estados Unidos ao contar com os muito capazes decifradores de código da Agência de Segurança Nacional dos EUA.

No início do livro, Gertz havia gasto quatro páginas relatando o roubo da China, em 2013, dos planos dos EUA para o avião de transporte militar C-17. Por mais repreensível que seja, não foi um divisor de águas. A comunicação quântica, uma inovação chinesa, inaugura uma revolução na inteligência de sinais.

Gertz discute a campanha de Washington para dissuadir seus aliados de comprar a tecnologia de banda larga móvel de quinta geração (5G) da campeã nacional chinesa Huawei Technologies. Quando o livro foi publicado, era evidente que a iniciativa foi um fracasso humilhante; nenhum país do continente euro-asiático se inclinou para as ameaças americanas, que incluíam a suspensão do compartilhamento de informações. As comunicações quânticas ajudam a explicar o porquê. 


Sobre Go Dark

Não apenas as equipes chinesas, mas sul-coreanas, japonesas, britânicas e outras estão desenvolvendo a capacidade de incorporar comunicações quânticas nas novas redes 5G. Não apenas a China ficará sombria para os EUA sinalizarem inteligência; o resto do mundo também, e em pouco tempo. Os sistemas 5G da Huawei eliminarão a vantagem de longa data da América em escutas eletrônicas. A comunidade de inteligência dos EUA gasta US$ 80 bilhões por ano, principalmente no SIGINT, e todo o investimento está em risco. A visão de Washington, respeitosamente relatada por Gertz, é que o domínio da Huawei nos sistemas 5G permitirá à China roubar os dados de todos. A realidade é muito mais ameaçadora, pelo que entendi. A China permitirá que o resto do mundo corte o acesso da América aos dados de todos os outros. Quando o secretário de Estado, Mike Pompeo, pediu a um alto funcionário alemão que não comprasse a banda larga da Huawei, o alemão respondeu que a China não havia escutado as conversas por telefone da chanceler Merkel, como fez os Estados Unidos.

A Huawei possui 40% das patentes relacionadas à banda larga de quinta geração, em grande parte porque gastou o dobro em pesquisa e desenvolvimento do que seus dois maiores rivais (Ericsson e Nokia) juntos. O desafio estratégico para os Estados Unidos não vem do roubo tecnológico chinês, desagradável, mas da inovação chinesa apoiada por recursos estatais. A comunidade de inteligência americana percebeu tarde demais que a China havia ganhado vantagem e convenceu o governo Trump a tentar adiar a implantação do 5G até que pudesse descobrir o que fazer a seguir. O fracasso é de proporções tão catastróficas que ninguém em posição de responsabilidade ousa reconhecê-lo por medo de assumir a culpa.


Dominação de E-Commerce e E-Finance

A visão da Huawei de um mercado global de banda larga sob seu domínio dificilmente é um segredo. É um caso em que a China anuncia suas intenções, enquanto os Estados Unidos ignoram o problema. Desde 2011, o site da empresa promoveu um “ecossistema” ativado por redes de banda larga que, por sua vez, traria comércio eletrônico, finanças eletrônicas, logística e marketing para a China – enfim, toda a gama de serviços financeiros e de negócios que integrará o trabalho de bilhões de pessoas no grande modelo chinês. 

O mundo se tornará uma loja chinesa: os bancos chineses emprestarão o dinheiro, a Huawei construirá a rede de banda larga e venderá os aparelhos, o Alibaba e a JD.Com comercializarão os produtos, a Ant Financial fará microempréstimos e as empresas chinesas criarão aeroportos e ferrovias e portos. Como banqueiro de investimentos de uma boutique de Hong Kong de 2013 a 2016, eu vi isso em primeira mão e relatei aqui. Entre outras coisas, a Huawei está construindo a maior parte da nova rede nacional de banda larga do México, incluindo a capacidade 5G, em um consórcio com a Nokia financiado por um grupo liderado pelo Morgan Stanley e pela International Finance Corporation. A Huawei também domina a infraestrutura de telecomunicações no Brasil e em outros países da América Latina. O domínio tecnológico da China no quintal americano, notavelmente, não provocou comentários oficiais de Washington.

Na minha opinião, isso é muito mais alarmante do que Gertz imagina. Ele escreve: “A China controlará todos os negócios e obterá todos os acordos comerciais que desejar, dominando o domínio da informação e, assim, aprendendo as posições de licitantes e compradores. Todas as empresas chinesas terão vantagens no mercado.”

Simplesmente não é assim que as coisas funcionam. A China prenderá países inteiros ao hardware chinês por meio de redes nacionais de banda larga financiadas pelo Estado, incluindo Brasil e México, onde a construção está em andamento.[Nota minha: a rede 5G ainda não foi licitada (abril/20) embora a Hauwei tenha feito testes no Brasil.] A China entende o efeito de rede que tornou a Amazon e o Facebook dominantes no mercado dos EUA e usará sua vantagem financeira e tecnológica para estabelecer o mesmo tipo de monopólio virtual para empresas chinesas no Sul Global.

A China prevê um império virtual, com mobilizações militares para proteger as principais rotas comerciais, começando com o petróleo do Golfo Pérsico. A marinha da China estabeleceu sua primeira base no exterior em Djibuti no ano passado. Enquanto isso, a China investiu pesadamente em armas de alta tecnologia, incluindo detonadores de satélites. Durante os primeiros minutos de guerra, os Estados Unidos e a China destruiriam os satélites de comunicação e reconhecimento um do outro. Mas a China tem uma rede de milhares de balões de alta altitude ao redor de suas costas, em número demasiado para as forças americanas destruírem. 


Por que uma guerra de tiro é improvável

O cachorro que não late nessa noite em particular é o exército terrestre da China. A China tem cerca de 40.000 fuzileiros navais e mais 60.000 na infantaria mecanizada por via marítima, o suficiente para invadir Taiwan. Caso contrário, suas forças terrestres são fracas. A China gasta cerca de US $ 1.500 para armar um soldado de infantaria, em comparação com US $ 17.500 para o seu homólogo americano. A China não possui aeronaves de ataque terrestre como o americano A-10 ou o russo SU-25. Ao contrário dos Estados Unidos, a China não equipou suas forças para nenhuma expedição estrangeira, exceto, é claro, a ameaça contra Taiwan. Com poucas exceções, sua prioridade militar é o controle de seu próprio litoral. Na minha opinião, é por isso que não é provável uma guerra de tiros. Os Estados Unidos não podem vencer uma guerra na costa da China, e a China tem pouco interesse em lutar em qualquer outro lugar.

Ao examinarmos os detalhes, a imagem de um regime comunista no estilo soviético, inclinado à dominação mundial, desmorona. O conceito de dominação mundial da China é tão diferente do que imaginamos que já foi concretizado antes de percebê-lo. As questões mais amplas são complexas demais para serem abordadas em uma revisão, mas me sinto obrigado a acrescentar que existe uma maneira bem diferente de encarar a China atual, como um sistema imperial com uma história de 3.000 anos. 

Em contatos extensos com autoridades chinesas, não conheci um único comunista dedicado, exceto o ilustre professor de estudos marxista-leninista que me pediu para ajudar seu filho a encontrar um emprego em Wall Street. Não acredito na distinção de Gertz entre o bom povo chinês e os maus líderes comunistas. O imperador (o líder escolhido pela casta mandarim que hoje se disfarça de comunista) é o capo di tutti capi , cujo trabalho é limitar as depredações dos centros de poder locais e manter a ordem. A maioria dos habitantes do continente lhe dirá brandamente que, sem um imperador, eles se matariam, como realmente fizeram após a queda de todas as dinastias chinesas.

Ninguém deve minimizar a brutalidade da dinastia atual por qualquer meio; mas não é mais repreensível que os Ming, que enterraram um milhão de trabalhadores forçados na Grande Muralha, ou os Qin, que destruíram todo o registro literário dos reinos chineses que o precederam e enterraram vivos centenas de estudiosos para garantir que nenhuma memória do passado sobrevivesse. Todos os chineses em posição de influência, quando perguntados sobre a minoria uigure muçulmana no extremo oeste da China, dirão com naturalidade: "Vamos matar todos eles". A China extermina "bárbaros indisciplinados" em suas fronteiras há milhares de anos. É por isso que os hunos chegaram à Europa e os turcos chegaram à Ásia Menor: expedições punitivas chinesas contra esses povos os forçaram a migrar para o oeste. 

Na visão da China, o “século de humilhação” que durou desde a Primeira Guerra do Ópio de 1848 até a Revolução Comunista de 1949 foi uma aberração temporária que deslocou a China de sua posição dominante na economia mundial, uma posição que a dinastia atual procura restaurar. Se não queremos que isso aconteça, teremos que dominar tecnologias críticas, incluindo computação quântica, comunicações quânticas, banda larga, inteligência artificial e defesa antimísseis. 


Propostas fracas

As recomendações que Gertz oferece na conclusão do livro não me convencem. Ele propõe se separar economicamente da China. Penso que nosso objetivo deve ser o de introduzir inovações que perturbem e desacreditem o planejamento estatal da China. Não temos nenhum no momento, mas isso ocorre porque a indústria americana de alta tecnologia investiu predominantemente em software e deixou a manufatura para a Ásia. Exigimos um renascimento da P&D americano na escala de nossa resposta ao Sputnik. Gertz também propõe "guerra financeira secreta" para interromper os empréstimos no exterior da China. Ele não parece perceber que a China é um credor líquido na extensão de US $ 1,6 trilhão, o que significa que pode financiar prontamente seus próprios requisitos. Ele quer reprimir cidadãos chineses que abusam de sua posição nos Estados Unidos e assim por diante.

Nada disso fará diferença. Nosso problema é muito grave. Atualmente, a China forma quatro bachareis em STEM [Science, Technology, Engineering, Mathematics], para cada um dos nossos, e a proporção está aumentando. Os estudantes estrangeiros obtêm quatro quintos de todos os títulos de doutorado em engenharia elétrica e ciência da computação nas universidades dos EUA. Como temos poucos estudantes de engenharia (apenas 5% dos cursos de graduação), as faculdades de engenharia são pequenas, o que significa que a maioria dos estudantes estrangeiros retorna para ensinar em seus próprios países. Os Estados Unidos treinaram uma faculdade de engenharia de classe mundial nas universidades chinesas, para que os melhores estudantes chineses fiquem em casa. Conheço gerentes de TI chineses que não contratam estudantes chineses com um diploma de bacharel nos EUA, porque os programas chineses são mais rigorosos.

Só podemos superar a China através da inovação e estamos perdendo nossa vantagem nesse sentido. Nada menos que um grande esforço nacional na escala do tiro lunar de Kennedy ou da defesa de Reagan na Guerra Fria recuperará nosso carisma.


14 de abril de 2020

De Bolsopatas a Covidiotas

Carlos U Pozzobon

A pandemia de coronavírus abriu as portas da discórdia política até então restrita às disputas entre os 3 poderes. A movimentação do Ministério da Saúde, liderado por Henrique Mandetta, estava dando o tom da mobilização nacional necessária para o enfrentamento do vírus. Parecia que, sob ameaça de morte, o país iria se unir em torno de um consenso no qual o sacrifício seria dividido igualmente e seus prejuízos não se tornassem objeto de disputa política.

Isto foi só aparência. Coisa de Alemanha. Na iminência de um colapso econômico, não se viu a redução de um centavo sequer nos salários da privilegiatura, e tampouco das compras suntuosas dos três poderes.

Tudo começou com uma notícia divulgada pelo gabinete de Trump a respeito do coronavírus ser curado com o uso da cloroquina.

Imediatamente a opinião dele foi tomada como verdade e os coletores de evidências saíram mundo afora atrás da opinião de autoridades da área de saúde que confirmasse a receita. Os que duvidavam foram descartados, como costumam fazer aqueles que não precisam de evidências para assumir sua posição em qualquer debate.

Ao mesmo tempo, um enorme contingente radicado no mundo hospitalar negava a cloroquina como solução, enaltecendo a prudência no uso da medicação, e desautorizando a certeza científica em testes experimentais, em contraposição aos evangelistas de primeira hora, aquela parte da sociedade que acreditando em João de Deus, mantinha a opinião da cura como se fosse um xarope milagroso.

A crise não teria um ápice se Bolsonaro não entrasse em cena para subestimar o contágio como base no “animus americanus” e servir de defensor do isolamento vertical, aquele que dispensa os que estão fora dos grupos de risco, com vistas a produzir o menor efeito nocivo na economia.

Como os maiores recursos de saúde estão em São Paulo, evidentemente que a hostilidade do próprio presidente contra as determinações do MSaúde, sobrou para João Doria que defendendo a posição do isolamento horizontal de Mandetta, entrou em rota de colisão com Bolsonaro. Foi a centelha que faltava para os bolsopatas dispararem uma campanha contra um líder político que aparecia em cena desafiando a autoridade de um presidente que, desde a posse, terceirizou a responsabilidade dos assuntos ministeriais aos titulares, resguardando o papel de animador popular do palco que o mantém popular.

Ocorre que Doria também é um homem de palco, um exímio mestre de cerimônias que fez carreira como se fosse um apresentador de programas de debates na TV. A fluência com que fala, a capacidade de articulação que Bolsonaro não tem no DNA, excitou ainda mais os ânimos. A resposta foi a sociedade ficar dividida entre a receita da cloroquina, o momento exato de aplicá-la, e as formas de combater o vírus.

Na santa inocência de agir em função dos parâmetros aplicados pelos demais governos ao redor do mundo, na sexta-feira (10/4) Doria chegou a ameaçar de prisão os que furassem o bloqueio sem motivo, baseado nos relatórios de tráfego das empresas de telefonia.

Estava instalado o pandemônio no meio da pandemia. Os bolsopatas descobriram que havia no país um software que controlava seus movimentos, e que estavam às portas de um estado orwelliano. E deram o alarme do perigo totalitário.

Ignoram que as empresas de telefonia celular usam os dados de localização do celular como a única forma de endereçar chamadas ou dados para um telefone, sem o qual o sistema teria de ser fixo em vez de móvel. Um mapeamento do número de aparelhos em uma região é um recurso de tráfego usado para conhecer a concentração de assinantes e dividir as células sempre que apresentem congestionamento recorrente.

Ocorre que qualquer erro de avaliação cria seus próprios argumentos favoráveis. Empresas de telefonia como a ZTE da China, estão implantando o estado orwelliano através da conjugação em um único cartão de crédito dos dados bancários, informações de saúde e, por extensão, a presença eleitoral quando de eleições. Com a temporização do voto por urnas eletrônicas, é possível saber em quem o vigiado votou se for possível saber o momento exato em que o eleitor aperta o botão da urna com sua localização. Este sistema está em vigor na Venezuela, não se sabendo se total ou parcial.

Mas isso não seria grave se os covidiotas não acusassem Doria de tentar implantar uma ditadura, ou como disse Coppolla, “fizesse ressurgir um ditadorzinho enrustido” no meio político. Que eu saiba nunca existiu na história do Brasil e, provavelmente do mundo, uma ditadura de um governo estadual à revelia do governo federal. No entanto, a bolsopatia precisa de exasperações para acionar suas bases esbravejadoras, e foi o que aconteceu no sábado (11/4) com a carreata levada a cabo e o bloqueio na Av. Paulista de automóveis e 3 ambulâncias.

O mesmo Coppolla vaticinou do alto de sua sabedoria: “É óbvio que uma medida de monitoramento agressiva que consegue determinar se você está a 300 metros da sua própria casa – informações essas nas mãos de empresas privadas – pode degringolar em uma grande perseguição às liberdades individuais“, reclamou. Ou seja, aquilo que sempre se fez por razões técnicas, passou a ser uma ameaça por razões histéricas. Este rapaz mostra que tem todos os requisitos para, tal qual o seu homônimo americano, comandar um roteiro sobre o Poderoso Chefão Doria.

O próximo bolsopata a entrar em cena foi o conhecido blogueiro que nunca foi santo chamado Allan dos Santos. Usando o recurso metafórico dos campos de concentração na vertical e na horizontal, sempre que não se tem grande coisa para dizer, conseguiu uma reação à altura da Confederação Israelita do Brasil (Conib) quando afirmou que “omitir o uso da cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”. Para a Conib, “antissemitas e oportunistas estão sempre à espreita para, em momentos como este, fazer ataques contra judeus e outras minorias”. E informou que denunciou a postagem ao Twitter e está examinando as alternativas legais.

O festival de besteiras continua a revelar covidiotas por todo o tecido social do país. Um apresentador do SBT que se autointitula Marcão do Povo, sugeriu ao vivo que “o presidente Jair Bolsonaro montasse campos de concentração para infectados de coronavírus.” A emissora de Sílvio Santos não gostou da sugestão do Marcão, até porque seu alinhamento com o governo, isto é, as verbas do governo, não chegam a tanto. Foi suspenso e a emissora pediu desculpas aos ofendidos pelo comentário.

Existem ganhadores na guerra política do coronavírus? A curto prazo não. Mas a área de conflito com o governo federal, em oposição ao seu ministro da saúde e equipe, continua, quando em 13/4 “os presidentes dos dois principais hospitais do País, Sidney Klajner, do Einstein, e Paulo Chapchap, do Sírio Libanês, defendem a necessidade do isolamento social para conter a epidemia do novo coronavírus. Sobre a cloroquina, medicamento que vem sendo apontado pelo governo como uma possível cura para a covid-19, ambos afirmam que “ainda” não há provas conclusivas sobre a sua eficácia.”

Tal informação não pode ser categórica, pois já existe prática de uso bem sucedido em um coquetel de medicamentos. Em todo caso, os dois hospitais são aqueles endereços onde qualquer grande figura política costuma se tratar, incluindo Bolsonaro. O que fazer se ele pensa contra o hospital que lhe serve de último refúgio para a salvação pela excelência técnica com que é conhecido? Evidentemente, ignorar a verdade quando em confronto com a ideologia.

O outro dado curioso é sobre a OMS, dirigida por Tedros Adhanon, nome mais de múmia egípcia que de biólogo. A OMS, como qualquer organização governamental (intergovernamental) é ruim. Sempre foi. É ruim exatamente porque sua atuação consiste em fazer perguntas aos governos e pautar suas recomendações com as informações desses mesmos governos. E quando o governo é uma autocracia, a OMS vai trocar os pés pelas mãos invariavelmente.

Quando um governo esconde uma pandemia em seu início, a única forma da OMS ter uma avaliação própria passa por denúncias produzidas por agentes (businessman, viajantes de eventos, turistas, etc) que façam chegar casos de pandemia às embaixadas e estas alertarem seus governos para, ao fim, colocar o caso no plenário da ONU e na cúpula da OMS simultaneamente. Tudo pelos meios burocráticos comuns. Fora disso, os erros do governo chinês são também erros da OMS, apesar de sabermos que antes do governo chinês admitir a pandemia, a OMS já ter conhecimento dela e, como os chineses, subestimado a gravidade.

O mais político dos convidiotas se chama Guilherme Fiúza. Este comentarista fez uma live para falar da conspiração do coronavírus comandada, naturalmente, por João Doria. Reverberando a opinião delinquente de que Doria queria criar o caos para se eleger presidente (a obsessão com que desde de janeiro de 2019 se fala em reeleição é algo que desnuda um esquema de poder e não de gestão, ao estilo psicológico do PT), disfarçando providências de saúde como se fosse um ardil para uma paralisação total da economia. Não se sabe como as ações de Doria, imitando os governos da Itália, Espanha, França, Inglaterra e Nova Iorque possam ser uma conspiração tão insidiosa, a menos que se entenda o fenômeno cultural brasileiro da dupla moral: o que é bom para os outros é diferente para nós.

Num país com uma estrutura partidária fragilizada ao extremo, Fiúza comenta a declaração de Arthur Virgílio sobre a iminência de colapso na rede pública de Manaus com as 44 mortes até então (13/4). Mas Virgílio estava falando sobre o número de corona-positivos, o que significa uma projeção para o agravamento da situação face ao número de leitos hospitalares. Esquecendo que são os infectados que contam, e não os mortos, logo ficamos sabendo a causa da sonegação da verdade. Fiúza queria fazer uma ponte com Doria, do mesmo partido que “vem se comportando como um tiranete ao ameaçar com prisão aqueles que descumprirem a ordem de ficar em casa”. E como na Barra da Tijuca circulou um clipe de policiais retirando aos puxões uma banhista de biquíni que recusava cumprir a ordem carioca, o nosso Fiúza que usa e abusa da lógica obtusa, conclui que estão havendo prisões em massa. Onde? Em São Paulo, evidentemente.

O outro covidiota é Hélio Beltrão, engenheiro como eu que, no entanto, articula a demissão de Mandetta (13/4) porque este teria recomendado o uso de cloroquina somente para paciente em estado grave, isto é, em adiantado estado de infecção. Mas por que Mandetta recomendou a seleção é algo que não se tem notícia, a menos da trivial, de que o país não dispõe nem de testes de infectados nem de cloroquina para todos os contaminados. Ele não acha que na escassez alguém precisa ser priorizado. Ele acha que Mandetta mantém-se no erro por alguma birra contra as evidências farmacológicas. E mais, que os médicos devem seguir as ordens estritas do MS, como pegar o telefone e perguntar ao Mandetta se ao paciente em suas mãos já pode ser ministrado a cloroquina, já que não se sabe o estágio da doença para o começo da aplicação.

Nesta atmosfera de entortar doidos, a pandemia da covid-19 atingiu 2 milhões de casos confirmados no mundo. Desde o primeiro caso em Wuhan, em 31/12/19, “foram 93 dias até os 1 milhão de casos, em 2 de abril. Agora, o segundo milhão deve ser atingido só 12 dias depois. O número de mortes, que bateu 100.000 neste fim de semana, segue padrão parecido. O tempo entre 1.000 e 10.000 mortes nos cinco países que atingiram essa marca (EUA, Itália, Espanha, França e Reino Unido) foi de duas semanas em média — dado que serve de alerta para o Brasil, que atingiu 1.000 mortes na sexta-feira, 10/4.”

E para aumentar as incertezas, ainda vivemos o inferno das subnotificações. Qualquer pessoa medianamente ilustrada, com a desconfiança permanente nas veias de tudo o que procede dos governos, sabe que a precariedade de recursos na maioria dos pequenos municípios pode elevar nossos índices para valores muito mais graves que os conhecidos. Basta que os mortos sejam uma ameaça ao continuísmo político para que a trapaça se imponha à realidade.


30 de janeiro de 2020

Ambientalismo e catástrofe


Luis Milman (12/2009). Artigo do blog http://luismilman.blogspot.com/

O atual quase-consenso em torno do progressivo aquecimento global é bem mais ideológico do que científico. O ambientalismo, que irrompe, ao lado da contracultura, na década de 60 do século passado, é uma das maiores ideologias surgidas no século XX, juntamente com o nazismo e o fascismo. Elementos cruciais da doutrina ambientalista faziam parte da prática e, sobretudo, da utopia hitlerista. Hitler abominava o fumo e o álcool e sonhava com um mundo no qual só fossem ingeridos vegetais (para mais detalhes, ver Robert N. Proctor, Racial Hygiene: Medicine Under the Nazis, Harvard University, 1988. O comunismo, que persiste ainda hoje como prática e ideia, foi gestado no século XIX. Estou certo de que o afastamento do bom senso, virtude da inteligência apregoada tanto por Aristóteles (na Ética a Nicômaco), como por Descartes (Discurso do Método) e Hannah Arendt (Sobre a Violência), torna-se perceptível nas avaliações que governos, multimilionários, ONGs, mídia, oportunistas, socialistas e parte razoável da comunidade científica fazem das causas antropogênicas do aquecimento planetário. Afirmo isto em vista de alguns truísmos que só não saltam aos olhos de quem está contaminado por uma modalidade de interpretação delirante do assunto. Essa noção, a de interpretação delirante, formulada pelo psiquiatras clínicos Paul Sérieux e J. Capgras, no livro Les Folies Raisonnantes: Le Délire d'interprétation (Paris, 1909) soma-se a outras, como a de Paul Ricoeur, acerca do "esgotamento do 'sonho tecnológico' e do renascimento daquilo que Alfred Sauvy chama de 'o mito do simples'"(Coût et valeur de la vie humaine – Paris : Hermann, 1977). Sauvy foi um destacado demógrafo e sociólogo francês, falecido em 1990, que cunhou o termo "Terceiro Mundo". Para ele, a civilização ocidental talvez esteja no final de um sonho de dominação da natureza, duplicado por um sonho de renascimento quantitativo ilimitado de gozos. Cito Ricoeur:

"A este respeito, é interessante notar como a crítica do sistema, sobretudo entre os esquerdistas americanos, ataca diretamente esse aspecto de nossa situação. Ao eliminarem, talvez erradamente, a crítica propriamente econômica e social dessa sociedade, eles atacam diretamente esse aspecto de esgotamento do sonho de dominação. E se atacam o lucro, é menos como a tara do sistema econômico do que como sintoma de uma doença mais profundamente enraizada que o próprio capitalismo, e que atinge o conjunto dos comportamentos coletivos e individuais em relação aos homens e até mesmo a natureza. ... O sucesso fulminante das campanhas contra a poluição e os impasses para a ecologia são outros tantos indícios. Baseados nessa crítica, vemos renascerem temas românticos que, no século passado, na época da industrialização nascente, passavam por reacionários. ... De tudo isto se alimenta o 'mito do simples'. ... a tentação de se reconstruir, ao lado da sociedade global, por demais complexa, uma sociedade neo-arcaica, artesanal e agreste, fracamente institucionalizada ou pelo menos instituída no nível de uma economia de subsistência e de troca" (Paul Ricoeur, Interpretação e Ideologias, Francisco Alves, 1983, p. 153).

Podemos associar à utopia da sanitarização e da autossustentabilidade, sedimentada na cultura ao longo de 50 anos, em muito por força da desilusão e das catástrofes provocadas pelo fascismo e pelo comunismo, o mecanismo psíquico que afasta o discernimento da compreensão da realidade. Sérieux e Capgras caracterizaram o delírio de interpretação como uma psicose não-demencial, na qual alucinações não desempenham papel nenhum. "A interpretação delirante é um raciocínio falso, que parte de uma sensação real, mesmo de um fato exato, o qual, em virtude de associações de ideias ligadas às tendências, à afetividade, assume, com a ajuda de induções e deduções erradas, uma significação pessoal para o doente... A interpretação delirante distingue-se da alucinação e da ilusão, que são perturbações sensoriais. Difere também da ideia delirante, concepção imaginária, inventada ponto por ponto, não deduzida de um fato observado. Difere ainda da mera interpretação falsa, isto é, do erro vulgar, porque o erro é, no mais das vezes, retificável, ao passo que a interpretação delirante é incorrigível. Além disso, o erro permanece isolado, circunscrito; já a interpretação delirante tende à difusão, à irradiação, ela se associa a ideias análogas e se organiza em sistema" (Sérieux e Capgras, ibid).

O ambientalismo estrutura-se em torno do mito do simples e de uma interpretação, ao nível psicológico, delirantemente sistêmica. Ele pode partir, como o faz, de fatos, como a poluição e seus efeitos nocivos ou da devastação das florestas, mas sua construção como doutrina excede em muito a mera fatualidade. No caso dos ideólogos do aquecimento, ela agiganta-se de tal modo que se transforma em alarmismo global. É comum, na hipótese antropogênica das causas do aquecimento, que nos deparemos cotidianamente com sandices acerca do perigo ao ambiente provocado pela emissão de gás metano por parte do estrume e arroto de bovinos e porcos. Ideias como esta propagam-se pela mídia quase sem contestação, condicionadas por uma nova obsessão, segundo a qual o consumo de proteína animal, além dos riscos que acarreta à saúde (outra mistificação cientificista), torna maléfica a própria produção de carne. É fácil derivar daí a conclusão de que devemos substituir, ainda que gradativa, mas progressivamente, a extensão do rebanho mundial pelo incremento do cultivo de leguminosas e frutos, alimentos que podem ser produzidos em escala econômica familiar. Basta investir na mudança de uma maligna mentalidade carnívora, para outra, benigna e orgânica, vegetariana.

Obviamente não se esgotam aí os argumentos aquecimentistas. O maior vilão é a emissão de dióxido de carbono (CO2), cujos índices progressivos, nos últimos 150 anos (desde a 1ª Revolução Industrial), seriam responsáveis pelo efeito estufa, ou seja, pela retenção de calor na atmosfera. Quanto ao ponto, o meteorologista da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Carlos Molion (que é renomado), reafirma uma trivilialidade, em entrevista concedida ao Portal UOL, em 13 de dezembro de 2009: "o CO2 é colocado pela mídia como vilão, como um poluente, e não é. Ele é o gás da vida. Está provado que quando você dobra o CO2, a produção das plantas aumenta. Eu concordo que combustíveis fósseis sejam poluentes. Mas não por conta do CO2, e sim por causa dos outros constituintes, como o enxofre, por exemplo. Quando liberado, ele se combina com a umidade do ar e se transforma em gotícula de ácido sulfúrico e as pessoas inalam isso. Aí vêm os problemas pulmonares".

Aprendemos que o CO2 não é nocivo no colégio, que ele faz parte do ciclo vital, mas parece que todos querem esquecer que frequentaram a escola, seguindo assim as pegadas deixadas por Al Gore. Na contramão, Sherwood Idso, juntamente com outros estudiosos do Centro de Estudos do Dióxido de Carbono e Mudança Global (EUA), concluiu recentemente pesquisas nas quais confirmou os efeitos positivos da emissão de CO2 para a biosfera. Segundo ele, o CO2 é claramente não-poluidor. "O dióxido de carbono é verdadeiramente o sopro da vida para todas as plantas do planeta e para os animais, que delas dependem para sua existência. Dizer o contrário é uma completa desvalorização da realidade" (ver exposição de Idso em http://www.co2science.org/).

A quase totalidade dos ambientalistas (para não dizer a totalidade, por falta de elemento quantificador) é materialista e o materialismo é a ideologia mais recorrente na civilização ocidental desde o século XIX. Suas formas histórico-políticas mais conhecidas são o socialismo e o fascismo. Os dois partiam da idéia de que o indivíduo não pode ser visto como um fim em si mesmo. Sua existência adquiria sentido na medida em que fizesse parte de um todo experienciável. Os dois pretendiam-se sociologicamente científicos. No caso do socialismo, o todo era a classe operária; no caso do fascismo, a nação. Vencido pelo teste da realidade, o materialismo socialista e fascista não mais coloca em movimento esperanças utópicas, mas dele restou o cientificismo, ou seja, a crença segundo a qual o homem evolui apenas na investigação (desta vez) da natureza e na compreensão de suas leis. Os ambientalistas não querem mais descobrir ou seguir as leis da sociedade. Suas crenças estão alegadamente fundamentadas na ciência natural e sua existência, como movimento, está justificada pela integração em uma totalidade orgânica, a natureza. Defendê-la é defender a claridade científica, que nos coloca diante dos impasses que criamos, enquanto seres consumistas, mesquinhos, sórdidos e gananciosos. Tais defeitos configuram mais uma das perversas faces lilithianas de nós mesmos, aquela que nos expõe como autofágicos e devoradores de nosso ambiente natural, pois não é apenas a sociedade humana que corre risco de ser extinta, mas o planeta que nos dá abrigo, por meio da ação do homem insensato.

Dados empíricos sobre o clima parecem dar respaldo à profecia auto-realizável. Calotas polares derretem a olhos vistos, o nível dos oceanos aumenta, selando o destino de países ilhéus, a temperatura do planeta avança gradativamente, o desmatamento intensivo contribui para o efeito estufa, assim como a emissão de gases poluentes, como o metano e o CO2. A indústria, outrora vista como a redentora da humanidade, agora aparece como sendo seu maior algoz. A queima de combustíveis fósseis, como carvão e, principalmente, petróleo, a existência de uma frota gigantesca de veículos movidos à gasolina, tudo isto, enfim, tende a nos aproximar do Apocalipse. É preciso interromper o ciclo da perversidade imposto pelo homem à Terra, nos últimos 150 anos, adotando medidas eficazes de sustentabilidade econômica sem poluição.

A atração deste wishfullthinking parece irresistível. Estaríamos todos irmanados numa mesma causa, acima de classes e nações, para a preservação de nosso bem maior, a própria Humanidade e a Mãe Terra. Os jovens idealistas que, em suas manifestações mais violentas, enfrentam o aparato repressor de vários países, com seus cartazes com dizeres como "stop the polution", representam, finalmente, a universalidade do humanismo represado por séculos de promiscuidade capitalista. Mesmo a indiferença dos multibilionários foi sobrepujada. Hoje, todos querem ser ecologicamente corretos e se engajam em campanhas para despoluir o ar, os mares, os rios, enfim, preservar a natureza. "Saúde para o corpo e para o ambiente" é a palavra de ordem do homem contemporâneo.

Os argumentos em favor da antropogênese são esparramados diariamente pela mídia. De que vale, diante deste consenso, ao qual se integram também governos "conscientes" do 1º Mundo e estados "espoliados pelo imperialismo", o apelo ao bom senso? O elemento central do ambientalismo é mítico e sua razoabilidade não deriva do árduo debate científico sobre mudanças climáticas, mas de uma para-ciência militante e organizada, cujo aporte evidencial é, no mínimo, questionável. Desta para-ciência, que subvenciona doutrinariamente a utopia verde, é que são extraídos os dados climatológicos catastróficos, cuja repercussão midiática atemoriza o homem comum. É impositivo, assim - e mesmo em não sendo especialista na matéria - rebater argumentos flagrantemente infundados, com base no uso da lógica e em alguns dados disponibilizados pelo debate científico.

A primeira refutação da hipótese antropogênica, a que salta aos olhos, é a de que 150 anos de emissão de gases pela indústria não podem, de forma alguma, influenciar nas variações climáticas do planeta. Ou, de modo mais brando, se o fizerem, a incidência desta variável no clima é desprezível. Para tanto, basta dar-se conta de que a Terra, em sua existência contada numa escala de bilhões de anos, experimentou inúmeras variações de clima, ao longo de milhões, milênios, centenas e dezenas de anos, sem qualquer interferência humana. Para estas alternâncias, são decisivos outros fatores, como a atividade vulcânica, a temperatura dos oceanos e, principalmente a emissão de radiação solar. "O Sol controla o clima!", afirma o meteorologista Luiz Carlos Molion. "Ele é a fonte principal de energia para todo sistema climático. E há um período de 90 anos, aproximadamente, em que ele passa de atividade máxima para mínima. Registros de atividade solar, da época de Galileu, mostram que, por exemplo, o sol esteve em baixa atividade em 1820, no final do século 19 e no inicio do século 20. Agora o sol deve repetir esse pico, passando os próximos 22, 24 anos, com baixa atividade".

Ao contrário do que propagam os antropogenistas, há indicativos fortes de a temperatura da Terra venha a diminuir nos próximos 30 anos, devido à redução dos níveis da radiação solar e, outro fator decisivo, à temperatura dos oceanos e à grande quantidade de calor armazenada neles. Em sua entrevista, Molion explica: "existem boias que têm a capacidade de mergulhar até 2.000 metros de profundidade e se deslocar com as correntes. Elas vão registrando temperatura, salinidade, e fazem uma amostragem. Essas boias indicam que os oceanos estão perdendo calor. Como eles constituem 71% da superfície terrestre, claro que têm um papel importante no clima da Terra. O [oceano] Pacífico representa 35% da superfície, e ele tem dado mostras de que está se resfriando desde 1999, 2000. Da última vez que ele ficou frio na região tropical foi entre 1947 e 1976. Portanto, permaneceu 30 anos resfriado. Naquela época houve redução de temperatura, e houve a coincidência da segunda Guerra Mundial, quando a globalização começou pra valer. Para produzir, os países tinham que consumir mais petróleo e carvão, e as emissões de carbono se intensificaram. Mas durante 30 anos houve resfriamento e se falava até em uma nova era glacial. Depois, por coincidência, na metade de 1976 o oceano ficou quente e houve um aquecimento da temperatura global. Surgiram então umas pessoas - algumas das que falavam da nova era glacial - que disseram que estava ocorrendo um aquecimento e que o homem era responsável por isso".

É verdade que a curva da temperatura planetária elevou-se por quase 30 anos, numa média de 0,7 graus Celsius, entre os anos 70 até o final dos anos 90. Mas, segundo o meteorologista Mojib Latif, do Instituto Leibniz de Ciências Marítimas (Kiel, Alemanha), o aquecimento parou. "A curva da temperatura atingiu seu ápice. Não pode haver argumento contra este fato. Nós devemos encará-lo" (Der Spiegel on line, 19/11/2009).

Podem retrucar as afirmações de cientistas como Latif e Molion (há outros como eles, mas meu artigo é apenas ilustrativo do contraditório ao aquecimentismo), com a alegação de que, para cada climatologista crítico da antropogênese, há talvez, dezenas de defensores das teses de Al Gore, espalhados pelo mundo. Nestes termos, o problema torna-se mais grave ainda, porque foge ao âmbito da ciência e penetra no domínio da teoria conspiratória. Seriam aqueles contrários à tese do aquecimento financiados pelos insondáveis interesses de corporações poluidoras? Estariam eles a serviço de Tio Sam e de sua maquinaria que provoca o efeito estufa? Estariam os serviços de inteligência da China por trás da propaganda anti-antropogênica? No campo da lucidez, nada disso é crível, mas muitas vezes o que não é crível em termos lúcidos, torna-se militante em termos ideológicos. E cabe ainda acentuar a descoberta da manipulação de dados denunciada, às vésperas da Conferência do Clima de Copenhage, por hackers, que invadiram os computadores do Instituto East Anglia, na Inglaterra, braço do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática. Os hackers divulgaram mais de mil e-mails trocados entre pesquisadores do Instituto, nos quais eram aferidos dados que indicavam o resfriamento, ou pelo menos o não-aquecimento planetário nos últimos dez anos. Tais dados foram adulterados para "confirmar" a tese do aquecimento. Molion lembra ainda: "os fluxos naturais dos oceanos, pólos, vulcões e vegetação somam 200 bilhões de emissões por ano. A incerteza que temos desse número é de 40 bilhões para cima ou para baixo. O homem coloca apenas 6 bilhões, portanto a emissões humanas representam 3%. Se nessa conferência conseguirem reduzir a emissão pela metade, o que são 3 bilhões de toneladas em meio a 200 bilhões?Não vai mudar absolutamente nada no clima".

Quanto às geleiras e à elevação dos níveis dos oceanos, há, no mínimo, uma controvérsia aguda entre os climatologistas independentes. Entre eles, o assunto não é discutido em termos de ação humana. Alguns afirmam que as geleiras não estão derretendo, mas sim o gelo flutuante, e que o avanço ou recuo dos mares não tem qualquer relação com a temperatura global. Outros dizem que é preciso considerar as diferenças entre as regiões do planeta, que são, do ponto de vista climático, consideráveis. Enquanto no Ártico as temperaturas aumentaram, segundo as medições das últimas décadas, em quase três graus Celsius, causando derretimento de gelo no oceano, as temperaturas caíram em largas áreas da América do Norte, do Pacífico Ocidental e da Península Arábica. Já a Europa permanece num território levemente aquecido (Der Spiegel on line, 19/11/2009).

Basta com o debate sobre dados. Deixo a questão propriamente científica sobre o clima e as causas complexas de suas alterações para os especialistas. Retorno ao ponto que me importa, que é a ideologia materialista e cientificista representada pelo ambientalismo. Esta ideologia é tão política como o liberalismo, o socialismo e o fascismo. Exceção feita ao liberalismo e também ao pensamento social-democrata que se afastou do marxismo, os demais "ismos" são esquematicamente inflexíveis e oferecem um consolo de tipo totalitário aos indivíduos. Somos alguém apenas na medida em que pertencemos a um todo homogêneo, que possui uma função na transformação da sociedade. No caso do ambientalismo, o todo social foi substituído pelo todo natural, o homem foi devolvido ao seu estado de natureza, não a de Hobbes, mas a de Rousseau. O apelo à ciência apresenta-se como a ultima ratio desta retroação, que submete a individualidade ao peso da salvação planetária. Como não cai mais bem, na sociedade que se vê como ilustrada, o conforto para a finitude oferecido pela religião revelada- isto ocorre desde Spinoza e sua teologia natural (a dos deístas), até os marxistas e existencialistas a la Heidegger - resta entregar-se ao ativismo que não vê horizonte além do si mesmo coletivizado. O ambientalismo e seu alarme antropogênico são modulações da mesma concepção materialista da história e da natureza, que invadiu a mente humana ocidental desde o século XVII. Após o colapso das ideologias e práticas totalitárias que o precederam, ele agora soa bem inclusive para plutocratas e governos de países desenvolvidos, porque acena com uma nova proposta de redenção, que é conveniente a todos, pois muda na aparência o que na essência permanece o mesmo. A necessidade da produção de mais energia para atender as atuais e futuras demandas determinadas pelo crescimento demográfico é inconteste e se torna simplório mencionar alternativas que investem contra a produção em escala de alimentos, a diminuição dos ruminantes ou contra a simples redução de emissão de CO2 na atmosfera. Não é plausível conciliar as necessitades ínsitas ao crescimento econômico com as plataformas pueris da apologética ambientalista, como não havia - isto está demonstrado- compatibilidade da liberdade de iniciativa com os regimes fascista e socialista que, por doutrina, enclausuraram-se no militarismo expansionista e descambaram para o terror interno. Mas as grandes corporações transnacionais e os governos do mundo industrializado e em franca aceleração de crescimento, como a China, já se deram conta que elementos ambientalistas podem servir de componentes para moldar um discurso mais simpático para o tratamento dos reais problemas ambientais, que ninguém, em sã consciência, desconhece e que podem ser solucionados, com engenhosidade, em especial nas democracias. O problema do lixo, por exemplo, é um deles e é grave. Os outros são o persistente lançamento de produtos tóxicos da indústria em rios e o desmatamento florestal. Entretanto, o fundamento da ideologia ambientalista cada vez mais de massa, como seu slogan verde adotado também por seus financiadores multibilionários, não é a ciência, mas o cientificismo. E o bom senso, que pode desfazer sua coerência interna, passa a ser seu maior inimigo.

29 de março de 2019

A derradeira análise da obra de Olavo de Carvalho, para nunca ter de lê-lo

[Para uma compreensão político-social do pensamento de Olavo de Carvalho, veja meu ensaio Conservadorismo Teocrático neste blog]

Publicado na Revista Época em 28/03/2019 
Autor: João Pedro Sabino Guimarães 

Ele é o guru da nova direita brasileira. Durante anos foi o principal crítico da intelectualidade de esquerda e do projeto de poder do PT. Sempre implacável nos embates, comprou brigas com boa parte do establishment cultural do país. Seus admiradores o classificam como “nosso maior filósofo e educador”. Seus detratores o relegam à categoria de “astrólogo”.
Eis Olavo de Carvalho, o autonomeado “filósofo”, que foi militante do PCB nos Anos de Chumbo e duas décadas mais tarde transmutou-se no mais temível inimigo do “marxismo cultural”. Ele mesmo explica as razões dessa chrysopoeia filosofal:


“Os senhores não têm a menor ideia de como é bom, para um sujeito que ajudou a construir uma mentira na juventude, poder desmontá-la na maturidade, tijolo a tijolo, com a meticulosidade sádica do demolidor."

 Por um quarto de século, o autor de O imbecil coletivo (1996) e O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (2013) tem-se empenhado em dar novos contornos à práxis nietzschiana da filosofia a marretadas. Sempre enérgico na denúncia do comunismo, dedicou-se a expor a articulação continental dos partidos e agremiações de esquerda, que caracterizou como o Foro de São Paulo:
“Um dos instrumentos mais engenhosos utilizados para isso foi a duplicação das vias de ação partidária, uma nacional e ostensiva, denominada oficialmente PT ou ‘governo’, a outra internacional e discretíssima chamada ‘Foro de São Paulo’, o mais importante e poderoso órgão político latino-americano.” 
Cedo também condenou o sistema político da Nova República, apontando a suposta repartição do poder entre a esquerda moderada e a esquerda radical:
“O PT e o PSDB foram essencialmente criações de um mesmo grupo de intelectuais esquerdistas empenhados em aplicar no Brasil o que Lênin chamava de ‘estratégia das tesouras’: a partilha do espaço político entre dois partidos de esquerda, um moderado, outro radical, de modo a eliminar toda resistência conservadora ao avanço da hegemonia esquerdista.”
Outras obsessões de Olavo de Carvalho têm sido o “globalismo”, que ele acredita ser o projeto de governo mundial, conduzido por elites transnacionais de inspiração maçônica; e as “técnicas de manipulação das massas”, desenvolvidas pela psicologia moderna e por filósofos de esquerda como Antonio Gramsci e os integrantes da Escola de Frankfurt:
“Os acontecimentos mais básicos dos últimos 50 anos são: primeiro, a ascensão de elites globalistas, desligadas de qualquer interesse nacional identificável e empenhadas na construção não somente de um Estado mundial, mas de uma pseudocivilização planetária unificada, inteiramente artificial, concebida não como expressão da sociedade, mas como instrumento de controle da sociedade pelo Estado; segundo, os progressos fabulosos das ciências humanas, que depositam nas mãos dessas elites meios de dominação social jamais sonhados pelos tiranos de outras épocas.”
 
Conhecido por seus amores inventados e paixões cruéis desenfreadas, Olavo recusa o rótulo de “exagerado”. Assim ele justifica seu proverbial destempero vocabular:
“É verdade que Olavo de Carvalho usa às vezes palavras duras, deprimentes, humilhantes. Mas jamais elevou a voz em público para condenar qualquer conduta privada, por abominável que lhe parecesse.”
A realidade se mostra um tanto distinta. A saraivada de insultos e impropérios saídos de sua metralhadora giratória já atingiu nomes como Gilberto Gil, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Dias Gomes, Janete Clair, José Américo Pessanha, Gerd Bornheim, Leandro Konder, José Arthur Giannotti, Wilson Martins e Reinaldo Azevedo, entre outros. Isso sem contar os inúmeros golpes abaixo da cintura que desfere diariamente contra os próceres do esquerdismo moreno. Vejamos o que disse do sempre lúcido e ponderado Fernando Gabeira:
“É uma vergonha nacional que um sujeito obviamente desqualificado, tolo, descoordenado de cabeça, seja aceito como intelectual por conta de antigos feitos de armas que um analfabeto poderia realizar com iguais méritos, e que, aliás, por mais autênticos que tenham sido, mal o habilitariam ao título de sargento honorário do exército de libertação da Zâmbia. O prestígio de Gabeira como ‘pensador’ é exemplo típico do nosso provincianismo cultural, onde popularidade é sinônimo de elevação intelectual.”
Mas Olavo não se restringe ao pessoal. Ele, com frequência, desfere ataques ainda mais ferozes contra seus inimigos coletivos:
“Não conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista, africanista ou feminista que não corresponda ponto por ponto a essa descrição, que corresponde por sua vez ao quadro clássico da histeria. (...) A presença de um grande número de histéricos nos altos postos de uma sociedade é garantia de deterioração de todas as relações humanas, de proliferação incontrolável da mentira, da desonestidade e do crime.”
Seu instinto de criar polêmicas ao estilo do “velho da montanha” se mostra especialmente virulento no combate às ambições políticas ou culturais de algumas minorias:
“Alguém tem de dizer aos negros a verdade: a verdade é que todos os ritos iorubás não valem uma página de Jalal ad-Din Rumi e a história inteira do samba não vale três compassos de Bach.”
“Não se encontrará nas fileiras gays um único santo, místico ou homem espiritual de elevada estatura. Iguais aos outros no mal, os gays têm escassa folha de serviços na prática do bem.”
Tão compassivo ativismo filosófico custou a Olavo de Carvalho não poucos desafetos. Talvez por isso ele tenha decidido mudar-se, em 2003, para os Estados Unidos. Estabelecido em Richmond, na Virgínia, surfou com destreza a onda da internet, tornando-se um pioneiro youtuber. A despeito de seu imenso sucesso de público, ou talvez por causa dele, passou a lamentar o estado da cultura brasileira:
“Desde que me distanciei do Brasil, tenho visto a inteligência dos meus compatriotas cair para níveis que às vezes ameaçam raiar o sub-humano.”
Aos poucos, Olavo construiu uma verdadeira legião de seguidores on-line. Em seu Seminário de Filosofia, formou toda uma nova geração de políticos, ativistas e burocratas de direita. Termos como “engenharia social”, “ideologia de gênero” e “marxismo cultural” entraram para o léxico político brasileiro. E sua refinada mensagem ecoou pelo país:
“Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas escolas programa esses meninos para ler e raciocinar como cães que salivam ou rosnam ante meros signos. (...) Um deles ouve, por exemplo, a palavra ‘virtude’. Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se em sua rede neuronal a cadeia associativa: virtude-moral-catolicismo-conservadorismo-repressão-ditadura-racismo-genocídio. E o bicho já sai gritando: É a direita! (...) De maneira oposta e complementar, se ouve a palavra ‘social’, começa a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo mágico das imagens: social-socialismo-justiça-igualdade-liberdade-sexo-e-cocaína-de-graça-oba!”
Após quase três décadas de incessantes combates, Olavo de Carvalho chegou enfim ao topo do mundo. Ungido sacerdote, profeta e conselheiro-mor do novo governo, sente-se autorizado a indicar ministros de Estado, passar pitos em deputados federais, desafiar juízes do Supremo, confrontar generais de quatro estrelas e espinafrar publicamente o vice-presidente da República:
Logo após a vitória eleitoral, Olavo recomendou ao presidente eleito “quebrar as pernas de seus inimigos, impiedosamente”. Desferiu também críticas aos servidores públicos de inclinação weberiana, vistos como simpatizantes do “marxismo cultural” e membros do “deep state”. Transcendendo o mero papel de intelectual engajado, almeja converter-se em ideólogo do novo governo:
“Se esbarrasse na rua com algum dos nossos políticos ditos ‘de direita’, eu lhe perguntaria o seguinte: ‘Você quer destruir a esquerda, destruí-la politicamente, socialmente, culturalmente, de modo que nunca mais se levante e que ser esquerdista se torne uma vergonha que ninguém ouse confessar em público?’.”
Olavo imagina-se, acima de tudo, uma espécie de salvador espiritual da nação:
“Se me perguntarem quais são os problemas essenciais do Brasil, responderei sem a menor dificuldade: (...) A destruição completa da alta cultura, num estado catastrófico de favelização intelectual onde a função de respiradouro para a grande circulação de ideias do mundo, que caberia à classe acadêmica como um todo, é exercida praticamente por um único indivíduo, um último sobrevivente.”
Ele mesmo, obviamente. Mas o conceito que o mago de Richmond nos apresenta de “alta cultura” tem suas sutilezas. Como herdeiro da augusta tradição do pensamento metafísico, Olavo não perde uma oportunidade de demonstrar ao mundo a elegância de sua dialética:
“Combater o consumo de drogas por meio da liberação é tão inteligente quanto defender-se da tentação do adultério comendo a mulher do vizinho três vezes por semana, no intuito de tornar-se imune aos encantos das demais esposas dos arredores. Pode-se também suprimir o homossexualismo dando o traseiro por aí até que ele se torne insensível.”
O trecho acima não é um caso isolado. É antes um traço essencial, um cacoete ontológico, um jeito de ser nascido da própria natureza do autor de A nova era e a revolução cultural (1994):
“Aí é que entra a missão providencial dos intelectuais. Sua função é precisamente pôr um fim a essa suruba ideológica. (...) São lições de Antônio Só-a-Cabecinha Gramsci.”
A incompatibilidade desse modo de ser com o ideal cristão é patente. Mas o “filósofo” de O jardim das aflições (1995) não compreende os ensinamentos daquele que agonizou no Getsêmani:
“Quando reagem aos ataques cada vez mais virulentos que a religião sofre da parte de gayzistas, abortistas, feministas enragées, neocomunistas, iluministas deslumbrados etc., certos católicos e protestantes invertem a ordem das prioridades: colocam menos empenho em vencer o adversário do que em evitar, por todos os meios, ‘combatê-los à maneira do Olavo de Carvalho’. O que querem dizer com isso é que Olavo de Carvalho é violento, cruel e impiedoso, humilhando o inimigo até fazê-lo fugir com o rabo entre as pernas, ao passo que elas, as almas cristianíssimas, piedosíssimas, boníssimas, preferem ‘odiar o pecado, jamais o pecador’.”
Exatamente. Ser cristão requer esse tipo de discernimento. Mas, para explicar ao leitor a recusa de Olavo de Carvalho em compreender seu próprio insight, será preciso recuar no tempo e demonstrar de onde veio e em que consiste o pensamento desse vitriólico filósofo das multidões. 

I – Olavo e a Escola Perenialista

Olavo de Carvalho é um produto da contracultura. No final dos anos 60, sem ter sequer o primeiro grau completo, começou a ganhar a vida como jornalista. Após breve envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), optou pelo “desbunde”, entregando-se de corpo e alma ao esoterismo.
“O esoterismo é a ciência universal por excelência, é o conhecimento e a realização da unidade.”
No final dos anos 70 e início dos anos 80, Olavo foi colaborador da revista Planeta, principal órgão de divulgação do espiritismo, da astrologia, alquimia, do hermetismo, tarô, da ufologia e de outros baratos. Esse mergulho na quinta dimensão levou-o à escola “tradicionalista”, ou “perenialista”, inaugurada por René Guénon (1886-1951), um ocultista francês com ambições filosóficas, que mais tarde se converteu ao islã.
Com base nos ensinamentos de Guénon e seus seguidores, Olavo publicou uma série de artigos sobre o perenialismo na revista Planeta, além de seis livros sobre astrologia e esoterismo: A imagem do homem na astrologia (1980), Questões de simbolismo astrológico (1983), Astros e símbolos (1985), Astrologia e religião (1986), Fronteiras da tradição (1986) e O caráter como forma pura da personalidade: elementos para uma astrocaracterologia (1992). Sobre essa fase, ele explica:
“Os livros que escrevi sobre Astrologia foram redigidos para um grupo de pessoas que estavam metidas até a goela no esoterismo islâmico. Para entender-se o que está escrito, é preciso saber para quem foi escrito.”
Nos anos 80, por influência do perenialista Frithjof Schuon (1907-1998), Olavo passou a viver em uma comunidade mística islâmica (tariqa), em São Paulo. Nesse período, praticou o poliamor, tiranizou a família e aprofundou-se no estudo da gnose sufi. Os episódios foram relatados por sua filha mais velha, Heloísa de Carvalho, em entrevista à revista Carta Capital e em carta aberta ao pai, publicada nas redes sociais. Embora um autor não deva ser criticado por seus erros passados, o incidente nos remete à passagem de A nova era e a revolução cultural em que Olavo especula:
“O que Gramsci fez com a própria filha, por que não o faria com os filhos dos outros?”
Para entendermos a viagem de Olavo de Carvalho às profundezas do “islamismo cultural”, é preciso conhecer um pouco mais do perenialismo. René Guénon, fundador dessa vertente do esoterismo, mudou-se, jovem ainda, para Paris, onde se tornou discípulo do famoso Papus, criador da linhagem martinista do ocultismo. Insatisfeito com a demora em ser iniciado nos “mistérios superiores”, tomou rumo próprio. Aos 24 anos, foi enfim iniciado, durante rito funesto, no qual invocou o espírito de Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários, morto na fogueira, em 1314. O episódio é comentado pelo estudioso do perenialismo Mark Sedgwick, em seu bem documentado livro Against the modern world: traditionalism and the secret intellectual history of the 20th century:
“As instruções de Jacques de Molay, comunicadas a Guénon durante sessão em 1908, foram de restabelecer a Ordem do Templo. Guénon prosseguiu com a criação da Ordem Renovada do Templo, com a ajuda de cinco outros martinistas.”
A partir de então, Guénon deu início a intensa atividade intelectual. Em seus artigos e livros, empenhou-se em criticar maçons, kardecistas e teosofistas, denunciando-os como adeptos de vertentes contrainiciáticas do esoterismo, corrompidas pelo evolucionismo darwinista e por ideias socialistas. Nesse embate, desenvolveu uma lendária paranoia, passando a ver conspirações por toda parte:
“A Inglaterra é chamada a ditar suas leis para o mundo inteiro (...). Esta será a realização dos ‘Estados Unidos do Mundo’, mas sob a égide da ‘nação dirigente’ e para seu exclusivo benefício; assim o internacionalismo dos chefes do teosofismo se revela no imperialismo britânico levado ao seu grau mais extremo.”
Nem sequer os protestantes escapavam às críticas de René Guénon:
“A propósito das relações entre o teosofismo e o protestantismo, uma questão se coloca: se estimamos que o teosofismo é anticristão em princípio (...) teremos então de concluir que o protestantismo, tão logo suas tendências sejam levadas ao extremo, há de chegar logicamente ao anticristianismo? Por paradoxal que tal conclusão pareça à primeira vista (sobretudo quando nos lembramos que muitas seitas protestantes gostam de se dizer ‘cristãs’ sem epíteto, ou ainda ‘evangélicas’), existem fatos que são ao menos suscetíveis de dar verossimilhança a semelhante conclusão.”
Em sua busca espiritual, Guénon elaborou uma nova síntese ocultista, supostamente “metafísica” e influenciada por elementos vindos de doutrinas orientais e da gnose clássica. Imbuído de fortíssimo idealismo romântico e de igual dose de revisionismo histórico, passou a fundir todos os caminhos espirituais em uma única e secreta “filosofia perene”, que tudo engloba e nada explica.
“Por Gnose aqui se deve entender o Conhecimento tradicional que constitui o fundo comum de todas as iniciações, cujas doutrinas e símbolos foram transmitidos, desde a mais remota antiguidade até nossos dias, através de todas as Confraternidades secretas, cuja longa corrente jamais foi interrompida.”
O pensamento de René Guénon chegou à maturidade com A crise do mundo moderno (1927). Nesse volume, ele mescla sua crença em uma “sabedoria perene” com o pessimismo histórico e o ideário antidemocrático de Oswald Spengler, autor da obra em dois tomos O declínio do Ocidente (1918 e 1923), que serviu de inspiração para o nazifascismo. Ao debruçar-se sobre o mal-estar da cultura moderna, Guénon centra sua crítica na perda de contato do Ocidente com a base espiritual tradicional:
“O moderno Ocidente é dito cristão, mas isso não é verdade: a visão moderna é anticristã, porque é essencialmente antirreligiosa; e é antirreligiosa porque, de modo ainda mais geral, é antitradicional.”
Valendo-se de conceitos da mística hinduísta, Guénon propõe uma visão cíclica da história. Nesse arcabouço, a cultura ocidental, dominante no planeta, estaria às portas de um colapso civilizacional:
“De acordo com todas as indicações fornecidas por doutrinas tradicionais, entramos de fato na última fase do Kali-Yuga, o mais escuro período da atual ‘idade das trevas’, o estado de dissolução do qual é impossível emergir senão mediante um cataclisma, pois não é apenas de um mero reajustamento que necessitamos neste estágio, mas de uma completa renovação. (...) Não chegamos acaso à terrível era anunciada nos Livros Sagrados da Índia, em que ‘as castas irão misturar-se, e em que mesmo a família deixará de existir’? Basta olhar em torno para convencer-se de que este é o estado do mundo de hoje, e para notar em todos os lados a profunda degeneração.”
O trecho citado revela o caráter essencialmente antidemocrático do perenialismo. No entender de Guénon e seus seguidores, as sociedades são divididas em “castas”. Nas culturas tradicionais, haveria um sólido pacto de solidariedade entre a casta sacerdotal e a casta guerreira — e desse pacto derivariam a vitalidade e a estabilidade dessas sociedades. As sociedades modernas, contudo, estariam sujeitas à “lei de regressão das castas”. Quem nos explica o conceito é o mitógrafo italiano Julius Evola (1898-1974), sem dúvida o mais relevante parceiro de René Guénon na formulação do perenialismo. Eis um trecho de Revolta contra o mundo moderno (1934), obra na qual Julius Evola aprofunda os aspectos políticos do pensamento de Guénon:
 
“Uma progressiva mudança de poder e de tipo de civilização produziu-se de uma casta para a outra, desde os tempos pré-históricos (dos líderes sagrados para a aristocracia guerreira, para os comerciantes, e finalmente para os servos); estas castas correspondiam, em civilizações tradicionais, à diferenciação qualitativa das principais possibilidades humanas. Em face desse movimento geral, tudo o que diz respeito aos vários conflitos entre os povos, a vida das nações e outros acidentes históricos desempenha um papel apenas secundário e contingente.”
Comparemos os textos acima com aquilo que Olavo de Carvalho nos ensina em seu principal livro, O jardim das aflições, uma obra perenialista de cabo a rabo:
“Acima das religiões, acima das consciências individuais, é ao Estado — casta dirigente ou aristocrática — que cabe, sob as bênçãos da intelectualidade — casta sacerdotal — dirigir o processo de modernização, e portanto, determinar o sentido da vida coletiva, os valores e critérios morais, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso.” “Essa ideologia (...) não podendo eliminar as castas governantes, ocultou-as, aumentando assim o seu poderio. E, quando elas ressurgem sob nomes como ‘burocracia estatal’ e intelligentsia, ninguém as reconhece, pois todos creem que castas só existem na Índia ou no passado medieval.”
 
Segundo os teóricos do perenialismo, as grandes culturas tradicionais começam a decair no momento em que as castas inferiores de mercadores e servos assumem o poder político, ocasionando o progressivo declínio dos valores sociais. Diz René Guénon:
“O mais decisivo argumento contra a democracia pode ser resumido em poucas palavras: o superior não pode proceder do inferior, porque o maior não pode proceder no menor; esta é uma absoluta certeza matemática que nada pode questionar. (...) O povo não pode conferir um poder que ele mesmo não possui; o verdadeiro poder somente pode vir de cima, e é por isso que ele apenas pode ser legitimado por algo pairando acima da ordem social, ou seja, por uma autoridade espiritual.”
Diante de tão reacionário credo, não surpreende que René Guénon tenha colaborado com 25 artigos para a revista Il Regime Fascista, editada por Julius Evola, entre 1934 e 1942. A tentativa de alguns dos seguidores de Guénon de ocultar a natureza antidemocrática de seu pensamento chega a ser risível, especialmente quando se analisa o conteúdo de suas obras da maturidade. Em O reino da quantidade e os sinais dos tempos (1945), a fantasia tradicionalista resulta em uma ruptura completa com a modernidade. Guénon investe contra a sociedade de consumo, a ciência moderna, o darwinismo, a psicanálise e a filosofia ocidental, aproveitando o ensejo para denunciar os “sábios do Sião”: 
 
“Por que será que os principais representantes das novas tendências, como Einstein na física, Bergson na filosofia, Freud na psicologia, e muitos outros de menor importância, são quase todos judeus de origem, senão pelo fato de que há algo envolvido que está intimamente ligado ao aspecto ‘maléfico’ e corrosivo do nomadismo quanto ele é desviado, e porque esse aspecto deve inevitavelmente predominar em judeus desgarrados de sua tradição?”
Note-se que o texto foi publicado em 1945, já com a Segunda Guerra Mundial terminada, os nazistas vencidos e o Holocausto perpetrado. Sem dúvida, um autor sintonizado com os sinais dos tempos. Em Metafísica da guerra, uma coletânea de artigos escritos entre 1935 e 1950, Julius Evola explica o horror que os membros da escola perenialista sentem das ideologias revolucionárias:
“A civilização de tipo puramente heróico-sacral somente pode ser encontrada no período mais ou menos pré-histórico da tradição ariana. Ela foi sucedida por civilizações no topo das quais já não estava a autoridade dos líderes espirituais, mas de expoentes da nobreza guerreira — e esta foi a era das monarquias históricas, que se estendeu até o período das revoluções. Com as revoluções francesa e americana, o Terceiro Estado tornou-se o mais importante, determinando o ciclo das civilizações burguesas. Finalmente, o marxismo e o bolchevismo parecem levar à queda final, com a passagem do poder e da autoridade às mãos da última das castas na antiga hierarquia ariana.”
Diante dessa ameaça à harmonia hierática das sociedades, Julius Evola não hesita em propor:
“O Fascismo se nos mostra como uma revolução reconstrutiva, dado que afirma um conceito aristocrático e espiritual da nação, oposto tanto ao coletivismo socialista e internacionalista quanto à noção democrática e demagógica da nação.”
A opção da maior parte dos perenialistas pelo islã deriva sobretudo da incompatibilidade de suas ideias com a ortodoxia cristã. Sendo gnósticos e ocultistas, os perenialistas enxergam uma antinomia incontornável entre a religião oficial, com seus ritos formais e sua moral rígida (modalidade exotérica), e a espiritualidade superior, marcada pela iluminação intelectual, pelos ritos iniciáticos e pela teurgia (modalidade esotérica). Eis o que nos diz Frithjof Schuon, em Gnose: sabedoria divina (1959):
“A distinção exotérica entre ‘religião verdadeira’ e ‘falsas religiões’ é substituída para o gnóstico pela distinção entre ‘gnose’ e ‘crença’ ou entre ‘essência’ e ‘formas’. Somente a perspectiva sapiencial é um esoterismo no sentido absoluto; em outras palavras, somente ela é necessária e integralmente esotérica, pois somente ela se projeta além de todo relativismo.”
No entender dos “homens espirituais” — assim os perenialistas chamam a si mesmos —, a religião oficial seria uma forma superficial da vivência espiritual, concebida em benefício dos homens inferiores, incapazes de acessar o conhecimento superior. A philosophia perennis, em contraste, seria a essência gnóstica da espiritualidade universal. Disse Olavo de Carvalho, em artigo na revista Planeta: 

“Já o esoterismo, ao contrário, sendo um único em sua essência (ele é a Philosophia Perennis, a verdade metafísica una, eterna, supraformal e transcendente), varia, entretanto, nas distintas formas históricas que o expressam, havendo, portanto, um esoterismo cristão, um islâmico, um judaico, etc.”
Engana-se Olavo. Enquanto o cristianismo real (seja ele católico, ortodoxo ou protestante) se funda na humildade, na igualdade entre todos e no amor ao próximo, a gnose conduz a uma espiritualidade elitista e arrogante, que divide os seres humanos em diferentes categorias e que advoga a superioridade dos homens “espirituais” sobre os homens “psíquicos” e “carnais”. Mais importante ainda, a visão gnóstica da espiritualidade é incompatível com os mistérios da Encarnação e da Trindade, conforme demonstrou Irineu de Lyon, em Adversus haereses (c. 180 d.C.).
No cristianismo real, os aspectos exotéricos e esotéricos, imanentes e transcendentes, formais e místicos da espiritualidade estão reunidos em Cristo e sua Igreja. Não existe um deus espiritual que se contraponha ao demiurgo do mundo material nem qualquer conhecimento oculto que permita ao iniciado acessar magicamente os planos superiores da existência. Há, em contraste, uma Trindade de amor na própria essência da Divindade. E existe um projeto de redenção do homem, centrado no sacrifício, na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Assim nos diz o apóstolo São Paulo:
“Nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus.” (1 Coríntios 1: 23, 24)
O perenialismo de Guénon, Evola e Schuon, por mais que se esforce em demonstrar a unidade das grandes tradições, fundindo teísmo e panteísmo em um mesmo amálgama inconsistente, tende inexoravelmente a aderir ao esoterismo islâmico como única vertente universal da gnose. Para os cristãos, a gnose é anátema. Para israelitas, hindus e chineses, ela não é universalizável. Daí a opção de René Guénon pelo esoterismo sufi. Em 1930, ele se muda para o Cairo e converte-se ao islã:
“Devemos outra vez recordar que o significado adequado da palavra islã é ‘submissão à Vontade Divina’; portanto, diz-se, em certos ensinamentos esotéricos, que todo ser é muçulmano, no sentido de que claramente ninguém pode escapar a essa Vontade; e, desse modo, cada um necessariamente ocupa o lugar que lhe cabe no Universo como um todo.”
A adesão de Guénon ao islã não representa, contudo, a opção por um exclusivismo maometano. Desde suas origens, no primeiro século da era cristã, a gnose tem o vício de atuar como uma espiritualidade parasitária, que vive à sombra de grandes religiões. Ela se apropria dos símbolos, conceitos, práticas e textos sagrados formulados pela ortodoxia originária, transmutando-os em uma religiosidade completamente distinta. Sendo uma perspectiva pseudofilosófica, ligada à magia e aos cultos de mistérios, a gnose usa as grandes tradições religiosas para esconder-se. O gnóstico é, antes de tudo, um mago dissimulado, cuja suposta espiritualidade não passa de pura egolatria. Eis um trecho sintomático de Olavo de Carvalho:  
“Note-se que essa possibilidade de transitar livremente de uma Tradição a outra é, hoje como sempre, apanágio exclusivo dos grandes mestres espirituais.”
Ao envolver-se com o esoterismo perenialista, Olavo de Carvalho converteu-se ao islã. Foi uma conversão meia-sola, aberta a todo tipo de influência “metafísica”, mas foi uma conversão. Esse período rendeu-lhe, além de diversos livros sobre astrologia, um volume sobre o profeta Maomé:
“Meu livro O profeta da paz: estudos sobre a interpretação simbólica da vida do profeta Mohammed (Maomé), ainda inédito nove anos após ter recebido um prêmio do governo da Arábia Saudita, é um estudo sobre a significação da profecia na História, ilustrado pelo caso do único profeta de cujos atos e palavras restou para o historiador moderno uma documentação abundante. Foi esse estudo que me persuadiu, de uma vez para sempre, de que o fenômeno da profecia é o gonzo sobre o qual gira o portal da compreensão histórica, e de que a história reduzida às dimensões natural e civil (...) é apenas uma crônica provinciana, sem qualquer poder de elucidar os fatores decisivos, os retornos cíclicos, as ascensões e quedas dos impérios e das doutrinas.”
 
No cristianismo real, a profecia não se confunde com vidência política ou determinismo histórico. A profecia, na perspectiva cristã, fala do Cristo e de seu Reino. Os perenialistas nada entendem do tema. Mas Olavo de Carvalho, eterno discípulo do mago francês, pensa de modo distinto. Assim ele explica, em O jardim das aflições:
“O grande reformador maçônico do século XX, René Guénon, encontrou a organização num estado de vácuo doutrinal. (...) Guénon preenche esse vácuo com a mais densa metafísica. (...) A polêmica católica contra René Guénon continua impressionando pela sua incapacidade de enfrentá-lo no terreno propriamente metafísico. As célebres objeções de Mons. Daniélou quanto ao simbolismo da cruz mostram apenas uma inferioridade de QI. Assim como Daniélou, Paul Sérant e outros adversários católicos de Guénon fogem para o terreno teológico e moral, onde se sentem abrigados sob pressupostos de fé que, no entanto, não são metafisicamente válidos.”
Ou seja, segundo Olavo de Carvalho, a cristologia e o mistério da Trindade não são temas válidos. Metafísico, para ele, é o “islamismo cultural” de René Guénon. Em O simbolismo da cruz (1931), livro escrito após sua conversão, o bruxo francês tece incontáveis loas aos elementos místicos do taoismo, do hinduísmo e do islamismo, enquanto projeta sobre essas tradições religiosas os conceitos unificantes inventados por ele mesmo. Quanto ao cristianismo, busca diluí-lo nessa geleia geral, relegando a figura ímpar do Cristo a uma única menção em todo o volume: 
 
“A cruz é um símbolo que, em suas várias formas, pode ser encontrado praticamente por toda parte, e desde o mais remoto tempo; está, portanto, longe de pertencer de modo particular ou exclusivo à tradição cristã como alguns podem ser tentados a acreditar. (…) Em particular, se Cristo morreu na cruz, pode-se dizer que isso ocorreu em razão do valor simbólico que a cruz possui em si mesma, o qual foi sempre reconhecido por todas as tradições.”
Em suma, temos em René Guénon a trajetória exemplar de um herege gnóstico em upgrade para a classe de apóstata. Sua opção recorda aquelas de Sabbatai Zevi, mestre cabalista e falso messias, convertido ao islã em 1666; e de seu seguidor Jacob Frank, nominalmente convertido ao catolicismo em 1759. Conforme demonstrou o estudioso Gershom Scholem em seu livro Major trends in Jewish mysticism, ambos os místicos se converteram por mero cálculo político, mantendo suas práticas gnóstico-cabalistas de modo oculto, enquanto professavam uma fé pública que lhes era conveniente. Os perenialistas agem exatamente assim.
Alguém poderá perguntar: e quem se importa com isso? Qual o problema de uma falsa conversão, de uma religiosidade apenas de fachada? O problema está nas consequências lógicas da fraude. Uma espiritualidade enganosa e dissimulada gera, necessariamente, maus frutos. O próprio Cristo nos ensina: 
 
“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos os conhecereis.” (Mateus 7: 15,16).
O critério evangélico fica evidente no caso dos principais expoentes do perenialismo. René Guénon desenvolveu uma paranoia patológica, que deu origem a toda uma tradição de teóricos da conspiração, além de flertar com ideias antidemocráticas e antissemitas. Julius Evola uniu o fermento dos fariseus ao fermento de Herodes, para tornar-se um entusiasta de Mussolini, um colaborador da SS nazista e o principal teórico do neofascismo europeu no pós-guerra. Frithjof Schuon, por sua vez, elevou à máxima potência o charlatanismo intelectualizado da escola perenialista.
Em 1991, um dos discípulos de Schuon deixou a comunidade que ele havia criado nos EUA, em Bloomington, Indiana. Em seguida, levou o “filósofo” aos tribunais, acusando-o de haver abusado de três adolescentes, nas cirandas místicas ou “encontros primordiais” que promovia. A acusação acabou sendo retirada, após acordo amigável. Mas diversos testemunhos corroboraram a informação de que havia contatos íntimos entre o mestre e as jovens durante esses eventos. O escândalo destruiu a reputação de Schuon e amargurou o restante de sua vida.
Igualmente reveladoras eram as supostas visões místicas do mestre de Olavo de Carvalho. Schuon afirmava que a “Virgem Maria” lhe aparecera, por diversas vezes, inteiramente nua, ocasiões nas quais o envolvia em dança inebriante. Em Against the modern world, Mark Sedgwick conta sobre as fotos que lhe foram enviadas logo ao início de sua pesquisa. O choque provocado pelas revelações fez com que o estudioso abandonasse a ideia de escrever apenas um artigo acadêmico e passasse à tarefa mais exaustiva de um livro sobre a escola perenialista: 
 
“Numa certa manhã, encontrei em minha caixa de correio um robusto envelope enviado por Rawlinson, contendo cópias de algumas fotografias. Sentei-me em minha escrivaninha e pus-me a, alternadamente, enterrar as fotografias debaixo de outros papéis e tirá-las dali novamente, entre fascinado e horrorizado. Lá estava Schuon vestido como chefe de uma tribo de índios americanos, cercado de jovens mulheres em biquínis. Havia também Schuon completamente nu, exceto pelo que parecia ser um capacete viking. E havia ainda uma pintura feita por Schuon da Virgem Maria, igualmente nua, com a genitália claramente exposta.”
Tais revelações, além de repugnantes em si, nos mostram bem em que consiste a síntese perenialista. O quadro a que se refere Mark Sedgwick nos mostra não a Virgem Maria real, mas o conceito que Frithjof Schuon tem de uma Grande Deusa, sensual e devoradora. Ela se mostra sexualizada ao iniciado precisamente porque vai com ele operar uma hierogamia mística — que o levará a ascender a planos superiores do conhecimento. Assim atua o misticismo gnóstico: deturpando a simbologia de todas as religiões, apropriando-se indevidamente e corrompendo o que elas têm de mais sagrado, apenas para projetar nesse furto “metafísico” os conceitos inerentes a seu pretenso saber oculto.


Foi nesse meio extremamente problemático que Olavo de Carvalho se formou. E são ainda hoje os preconceitos perenialistas que moldam seu pensamento e sua visão de mundo. Em especial, foram as obsessões guenonianas que informaram sua principal obra, O jardim das aflições:
“Quando examinada do ponto de vista de suas consequências psicológicas, culturais e espirituais, a ascensão do Império mundial é, como vimos ao longo dos últimos capítulos deste livro, uma ameaça tenebrosa. (...) O que está em jogo no mundo não é, portanto, um mero conflito entre ideologias, mas sim a possibilidade de sobrevivência espiritual da humanidade num mundo onde todas as opções ideológicas díspares e antagônicas se uniram num pacto entre inimigos para varrer da face da Terra o legado das antigas religiões.”
A filiação perenialista de Olavo de Carvalho foi examinada à exaustão pelo professor Orlando Fedeli, historiador competente e tomista de mão-cheia, em seu devastador artigo “A gnose ‘tradicionalista’ de René Guénon e Olavo de Carvalho”, publicado em 2001:
“A doutrina de Guénon, como a de Olavo, não tem apenas alguns pontos gnósticos isolados, mas os princípios gnósticos que eles adotam formam um sistema coerente, que exige chamá-los de gnósticos, ainda que eles não explicitem alguns pontos próprios da Gnose completa. Essa falta de explicitação de alguns pontos da totalidade do sistema gnóstico se nota especialmente em Olavo, que tem uma Gnose menos elaborada pela sua inferioridade em relação a Guénon, quer quanto à inteligência, quer quanto à cultura, quer ainda quanto ao valor de seus livros.”
Engana-se quem acredita ser Olavo de Carvalho um filósofo católico, de linhagem aristotélica. Criado à sombra de René Guénon, Julius Evola e Frithjof Schuon, o alegado fervor cristão do mago de Richmond se revela mera pantomima. Por detrás de suas teorias conspiratórias, de seu desconforto com a modernidade, de seu anticomunismo ferrenho e de sua agressividade verbal reside a gnose obscura da escola perenialista. Basta notar que sua obra não evoca qualquer das virtudes cristãs, mas antes aponta para o inverso delas: em lugar da humildade, a soberba; ao invés da compaixão, o rancor; não havendo mansidão, a violência; na ausência da caridade, a pura vontade de poder. Assim é Olavo, o demolidor.