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6 de agosto de 2013

O Sagrado e o Profano no século XVII

Juana Inés de La Cruz e Gregório de Matos: o sagrado e o profano no século XVII

Carlos U Pozzobon
  • Octavio Paz: Sóror Juana Inés de la Cruz – As armadilhas da fé –– Ed. Mandarim, 700 p. 1998.
  • Pedro Calmon: A vida espantosa de Gregório de Matos –– Ed. José Olympio, 1983.
  • Gregório de Matos – Obras Completas – Ed. Cultura, 1945 – 2ª edição
  • Obras de GM na Internet

Duas sumidades latino-americanas do século XVII, contemporâneas e opostas, que merecem muito mais do que um artigo comparativo, e que portanto não deveriam ficar esquecidas neste mundo de tantos títulos acadêmicos de doutorado em literatura comparada.

Juana Inés nasceu em 1648, na cidade do México; Gregório de Matos em 1636, em Salvador, Bahia. Morreram no mesmo ano de 1695. Ambos leram Quevedo (1580-1645), Calderon (1600-1681), Gôngora (1567-1627) e Cervantes (1547-1616) entre tantos escritores de seu tempo. Escreveram os mesmos tipos de poesia, mas Matos jamais publicou seus poemas e provavelmente nunca tenha ouvido falar de Juana Inés. Matos era filho de uma família rica da Bahia e se formou em advocacia em Portugal, mas não teve uma vida literária integrada, ao contrário, a poesia para ele não tinha nenhuma relação com as instituições.

Octavio Paz, em seu monumental trabalho de interpretação da obra de Juana Inés, desconhece totalmente Gregório de Matos. Para um intelectual do porte de Octavio Paz, a quem as comparações brilhantes e contundentes perfazem todos os seus artigos e ensaios, foi realmente uma ausência lamentável não conhecer Gregório de Matos. Mas o mesmo aconteceu no século XVII e se repete em nossos dias. Não seria abusivo supor que a Internet veio para produzir mais esquecimentos e perdas do que achados. Obras realmente dignas de figurar no panteão dos clássicos estão condenadas a ficarem no descuido dos blogs, dos sites e das indicações sem cliques das redes sociais pela impossibilidade de serem detectadas na avalanche de informações triviais.

Considerada a maior poetisa do século XVII, Juana Inés tornou-se a representação do gênio maldito condenado à renúncia e ao silêncio em uma época em que o totalitarismo tinha o estigma do poder associado à religião, em uma sociedade que recusava o Iluminismo nascente e vivia do dogma e do controle social pela ortodoxia da Contrarreforma.


Sobre Juana Inés

Juana Inês é um exemplo de pessoa incomum para sua época: a opção pela vida intelectual ainda jovem a inclinou para a vida religiosa — a única opção para uma mulher sem dotes econômicos na Nova Espanha. Abandonando a vida mundana, dedica-se inteiramente à combinação dos deveres monásticos com a vida intelectual. Poetisa, preparava os textos para os eventos públicos das festas religiosas, escrevia peças de teatro e mantinha intensa correspondência com os principais escritores espanhóis de seu tempo. Seu confessor, o jesuíta Antonio Nuñez de Miranda, disse sobre ela: “havendo conhecido (...) sua erudição singular com sua não pouca formosura, atrativos para a curiosidade de muitos que desejariam conhecê-la e seriam felizes cortejando-a, costumava eu dizer que não podia Deus enviar calamidade maior a este reino que permitir que Juana Inés se tornasse a personalidade do século”. (p. 15)

Inicialmente, Octavio Paz expõe a questão insolúvel entre a vida e a obra de um escritor: as lacunas, diferenças, e ao mesmo tempo a metafísica desse escritor representar o espírito de sua época. Se existem dificuldades para se conhecer a história pela obra literária, pois ambas são independentes, por outro lado é a obra literária que termina dando sentido à história. E a crítica de Octavio Paz sempre foi extremamente sensível a essas contradições. Toda obra literária está alicerçada em suas predecessoras. Ao mesmo tempo, todo escritor tem vínculos com seus contemporâneos. Paz enfatiza a correlação entre obras que são suas inspiradoras e ao mesmo tempo rivais. Uma obra tem também relação com seus leitores. Vendo por outro ângulo: são os leitores que interpretam a obra e que lhe dão sentido. Por outro lado, os leitores desempenham o papel de censores. “Em toda a sociedade funciona um sistema de proibições e autorizações — o terreno do que se pode ou não fazer. Há outra esfera, geralmente mais ampla, dividida também em duas zonas: o que se pode ou não dizer. As autorizações e as proibições abrangem uma vasta gama de matizes muito rica e que varia de sociedade para sociedade. Contudo, umas e outras podem dividir-se em duas grandes categorias: as expressas e as implícitas. A proibição implícita é a mais poderosa; é o que ‘por sabido se cala’, ao que se obedece automaticamente e sem refletir. O sistema de repressões vigente em cada sociedade repousa sobre esse conjunto de inibições que nem sequer exige a aprovação de nossa consciência”. (p. 18)

Um autor não lido sofre o pior tipo de censura de uma sociedade: a indiferença. Por isso, Paz acha que na sociedade moderna a luta contra a indiferença faz da poesia um ato de rebelião, uma vez que a arte e a poesia não se inserem na sociedade como valores racionais. A rebelião é assim conatural ao artista. Ele busca superar a indiferença, a pior de todas as censuras. “A poesia não é um gênero moderno; sua natureza profunda é hostil ou indiferente aos dogmas da modernidade: o progresso e a supervalorização do futuro... A poesia é, por natureza, extemporânea”.


Sobre Gregório de Matos

Por sua vez, Gregório de Matos era poeta nato, instintivo e culto. A população do recôncavo baiano no final do século XVII era de 35 mil pessoas, sendo que 20 mil eram escravos. Havia mais de cem engenhos de açúcar na região. Tanto Gregório como o padre Vieira tiveram irmãos que foram secretários de estado em Salvador em períodos diferentes.

Indo estudar em Coimbra (1652-1660) e vivendo em Portugal por 30 anos, retorna ao Brasil como versejador sem obra publicada devido mais à sua personalidade do que à impossibilidade de fazer isso em Portugal. Seus poemas eram presenteados a amigos na forma de manuscritos. Escrevia versos de encomenda e para presentear amigos, para celebrar nascimentos, falecimentos, casamentos e até ocorrências cotidianas. Sabemos que na Espanha de Gôngora, os poemas que acompanhavam os músicos eram chamados de ‘Cancioneiros’ porque eram escritos na forma pela qual hoje chamamos de ‘songbooks’, e circulavam como manuscritos. Sua fase mais profícua ocorre na Bahia (a partir de 1682), um local que não tinha imprensa por decisão da corte portuguesa, e onde a impressão de livros só veio a ocorrer depois da Proclamação da República. O que se conhece de sua obra foi salvo pelo último governador da Bahia (enquanto Matos ainda estava vivo), D. João de Lencastre, que sendo seu admirador, guardava seus versos. Depois da morte de Matos, o governador colocou um aviso solicitando uma doação de todos aqueles que o haviam conhecido em vida, ou que haviam sido presenteados com seus poemas. Diversos manuscritos foram doados anonimamente, principalmente porque muitos eram eróticos e licenciosos. Contudo, não se sabe se todos os poemas eram de fato de Gregório, ou se foram incluídos em seu repertório de sabujices. Por exemplo, a edição de 1945 de suas “obras completas” (tomo 1, p. 145, Edições Cultura) tem um poema em homenagem à morte do Padre Vieira (1608-1697), uma impossibilidade cronológica, pois o padre Vieira morreu dois anos depois de Matos. E a primeira reunião dos manuscritos só ocorreu em 1711, 16 anos depois de sua morte. Isso comprova que muitos versos apócrifos foram inseridos na sua coleção.

Gregório era o típico representante da boemia da colônia. Não tinha disposição para a burocracia do poder imperial. Era advogado, mas não se adaptava ao mundo jurídico e suas filigranas processuais. Seu mundo íntimo era a poesia. Acompanhado de uma viola a qual tangia com seus versos, como os repentistas de hoje, usava a poesia como forma de convívio, desafio, entretenimento, conquista amorosa e inspiração. Seu trato social não estava reservado à nobreza, da qual era parte por nascimento, mas às camadas populares. Mulherengo, festeiro, despojado e vivaz, obtinha pela palavra afiada o respeito que não conseguia na profissão de advogado. Por isso foi chamado de Boca do Inferno. Conta Pedro Calmon que já em Coimbra, onde ficou oito anos (1652-1660), “optara cedo pela sátira e pela audácia, as Musas bailando ao compasso da lira no seu palco vadio”. (p. 19)

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
medíocre vestido, bom sapato,
meias velhas, calção esfola-gato,
cabelo penteado, bom topete.
Presumir de dançar, cantar falsete,
jogo de fidalguia, bem barato,
tirar falsídia ao moço do seu trato,
furtar a carne à ama, que promete,
A putinha aldeã achada em feira
eterno murmurar de alheias famas,
soneto infame, sátira elegante,
Cartinhas de trocado para freira,
comer boi, ser Quixote com as damas,
pouco estudo, isto é, ser estudante.

Rimando barrete (não só o chapéu, como também em Portugal significando artifício para enganar, embuste) com esfola-gato, que não é senão a mesma coisa, já confessa no soneto sua personalidade de estudante boêmio.

Foi acusado de plagiar Gôngora por pura maldade, posto que seu maneirismo tinha ares do espanhol celebrado. Quem tem talento não precisa dos outros senão para estudo, mas já as más línguas da época destilavam sua infâmia movidas pelo ciúme provocado pelo gênio. Incontido, cortejando as freiras nos muros dos conventos nas noites sem lua, “fugindo dos quadrilheiros nos labirinto dos palácios confusos” (p. 24), acabou sendo preso e cumpriu pena em sua casa. Era um existencialista “avant la lettre”, uma personalidade que somente seria entendida e correspondida com a liberdade do século XX.

Bacharelou-se e deixou Coimbra, maldizendo em versos a cidade, para voltar a Lisboa e casar 4 meses depois de formado (agosto de 1661). Naquela época, havia um curioso ritual de casamento. Primeiro, era preciso testemunhas de solteiro. Depois, um atestado cartorial que comprovasse a limpeza de sangue como garantia de súdito da corte. Por limpeza de sangue se entendia a análise do parentesco até os avós, para determinar se havia sangue judeu ou mouro ou africano. Somente então era concedida a licença de casamento. Um procedimento que os nazistas haveriam de imitar 300 anos depois. Comprovado que noivo e noiva tinham “sangue cristão dos quatro costados”, a autorização era emitida. Com o casamento, segue-se a nomeação para o cargo de juiz de fora em uma vila alentejana. Era o início de carreira que o levaria logo depois a juiz de cível em Lisboa.

Sua carreira não foi fácil, e logo o espírito inadaptado às funções jurídicas iria pesar sobre seus ombros de forma irremediável. Com a notícia na Bahia de seu desempenho, a Câmara Municipal houve por bem nomeá-lo procurador na corte, cargo que aceitou pelo ordenado, mas logo com o cargo vieram os encargos, e a burocracia política lhe causava tal transtorno que não foi capaz de fazer qualquer coisa para atender aos reclamos da Bahia: foi demitido.

Ficou viúvo aos 42 anos (havia casado com 25 anos), e perdeu o jeito de juiz grave, mandou às urtigas a circunspeção e “desmandou-se, na decadência prematura que o faria miserável, entre os mais desafortunados, e invejado entre os maiores poetas” (João Calmon, p. 37).

Sua fama veio rápida pela agilidade como repentista. No século XVII, “glosar motes” significava dizer uma estrofe como motivo da obra cujo conteúdo desenvolve a ideia sugerida pela estrofe. Um testemunho de sua perícia escreveu: “Conhecemos aqui em Lisboa um homem que glosava motes (por dificultosos e paradoxais que fossem), sem deter-se mais do que quando corria a mão pelo bigode, torcendo-o na ponta”. Por exemplo, um marquês propôs o seguinte mote: “A mais formosa que Deus”. O que fez o Boca do Inferno?

Com duas donzelas vim
ontem de uma romaria;
uma feia parecia,
outra era um serafim.
E vendo-as eu assim
sós, sem os amantes seus,
perguntei-lhes: anjos meus
quem vos pôs em tal estado?
Disse a feia, que o pecado,
a mais formosa, que Deus.

Em Portugal, o Boca do Inferno terminou “queimando a fita”. Para se livrar dele, a corte propõe que vá ao Rio de Janeiro resolver um caso cabeludo de desmando comandado pelo régulo local. Recusou a empreitada temerária, pois tinha aversão ao poder real e terminou sendo deportado de volta para a Bahia, com um cargo recentemente criado de desembargador da eclesia da arquidiocese. Seus dois irmãos tinham funções na corte e não recusaram ir em seu auxílio.


Breve retrato da Nova Espanha (México)

Em sociedades fechadas com valores hostis à liberdade, a força da censura vem dos leitores atentos a qualquer transgressão. No México do século XVII, então chamado de Nova Espanha, a censura era a Inquisição. Em um de seus manuscritos Juana Inés deixa claro: “Não quero problemas com a Inquisição” (p. 19). Sua obra era assim rodeada de silêncios: aquilo que não podia dizer. “A palavra de Juana Inés constrói-se frente a uma proibição, que se sustenta numa ortodoxia, encarnada em uma burocracia de prelados e juízes” (OP, p. 19). Paz compara a atmosfera da Inquisição com os conhecidos totalitarismos do século XX. Trata-se de uma ponte importante: de um lado a ortodoxia católica, de outro, a ortodoxia soviética. Ambas desconfiavam do talento, criavam censuras e cortes.

O México é um país cuja história começa como asteca, é conquistado e se transforma em Nova Espanha, e depois, em 1821, na Independência se redescobre México outra vez. Para Paz a história é uma obsessão entre a grandeza e o esquecimento. Os povos têm uma relação com a história como a mente humana com a censura psíquica: ambos usam o esquecimento para evitar os fatos desagradáveis de seu passado. Para os mexicanos, a Nova Espanha é um período negro do México que se “reconquista” na Independência, isto é, na restauração. Isto acontece porque a Idade Moderna foi a negação das crenças que inspiraram a Nova Espanha. Se no passado colonial a crítica era tolhida pela ortodoxia, na modernidade ela foi a sua fundadora. A crítica tem um significado que vai mais além do que simplesmente imaginamos: é a liberdade de pensar, a liberdade de agir e paradoxalmente, uma religião da mudança. Em outras palavras, a crítica da religião transforma-se em uma religião da crítica, o período inaugurado pelo marxismo. Da Contrarreforma ao marxismo temos um período que se coagula com uma ideologia feita para barrar as mudanças, para deter a história, impedir o novo, até a insurgência permanente em busca desse novo na forma de uma nova sociedade e não no aperfeiçoamento da antiga, levando ao seu desmoronamento e retorno ao passado de opressão e silêncio. Por isso a sensibilidade de Octavio Paz em tratar o século XVII com o legado do totalitarismo do século XX.

Para analisar o contexto da época de Inés de La Cruz, Paz reconstrói as vertentes intelectuais, os poetas e escritores, analisa e compara o barroco com o romantismo, o transplante da cultura espanhola e europeia para a nova terra.

Uma comparação entre as duas obras revela um espetáculo de semelhanças. Tanto Gregório como Juana Inés escreviam o tipo de poesia da época: redondilhas (estrofe de 4 versos, o primeiro rimando com o último e o segundo com o terceiro); endeixas (composição de 4 versos de 5 sílabas); décimas, oitavas, silvas (versos de dez sílabas alternados com seis sílabas), e sonetos. Embora tenha ficado famoso por sua poesia erótica e crítica, Gregório de Matos também tem uma obra sacra e lírica. Mas suas vidas não se cruzaram intelectualmente. A única ponte entre ambos foi o Padre Vieira, mas apenas em seus sermões.

Juana Inés viveu a vida conventual. Correspondia-se com “meia Espanha”, mas não sabemos se teve contato com algum poema apócrifo de Matos. Sabemos que teve correspondentes em Portugal, e também sabemos que Matos cultivou admiradores justamente na fase em que Juana Inés despontava como talento.

O desconhecimento de Gregório de Matos sempre intrigou a minúscula elite literária brasileira que o homenageou. Augusto de Campos em um artigo lamenta que Borges não o tenha conhecido. Mas Borges também não conhecia a obra de Paz, segundo confessou em entrevista a Selden Rodman (The Tongue of The Faling Angels, 1972) até os anos 70. Por que deveríamos supor que Gregório teria conhecimento de Juana Inés se Borges não leu Paz? Aliás, Borges desconhecia a literatura latino-americana e brasileira. Seu universo literário era bem mais restrito do que se imagina, segundo nos conta Estela Canto (Borges à Contraluz, Iluminuras, 1991). O inverso, entretanto, não é verdadeiro, pois Paz, admirador da obra de Borges, afastou-se depois que Borges publicou um poema, como palestrante convidado de uma Universidade do Texas, em que homenageava a separação do Texas do México, um episódio até hoje dolorido para os mexicanos.

Tanto quanto no século XX, os escritores se relacionavam indiretamente lendo os mesmos autores, que serviam de inspiração às suas obras. No século XVII, as pontes eram Cervantes, Gôngora, Quevedo, Calderon e diversos autores comuns, além dos antigos, extremamente estudados e citados em suas obras, pois o século tinha uma deferência especial com o passado greco-romano, a filosofia tomista e o neoplatonismo. Paz diz que da língua portuguesa, Juana Inés, além de Vieira, teria lido Camões, Francisco Manuel de Melo (1606-1666) e alguns outros. Não se sabe quem seriam esses “alguns outros”, mas ela tinha uma correspondente em Lisboa.


Biografia de Juana Inés

Esta tarde, mi bien, cuando te hablaba,
como en tu rostro y tus acciones vía
que con palabras no te persuadía,
que el corazón me vieses deseaba;

y Amor, que mis intentos ayudaba,
venció lo que imposible parecía:
pues entre el llanto, que el dolor vertía,
el corazón deshecho destilaba.

Baste ya de rigores, mi bien, baste;
no te atormenten más celos tiranos,
ni el vil recelo tu quietud contraste

con sombras necias, con indicios vanos,
pues ya en líquido humor viste y tocaste
mi corazón deshecho entre tus manos.

Juana Inés de La Cruz nasceu Juana Ramirez ou Juana Ramirez de Asbaje, provavelmente em 2 de dezembro de 1648 em um pequeno povoado no interior do México. Era filha natural de Pedro Asbaje, de quem nunca ouviu falar. Razões misteriosas levaram sua mãe a desposar o capitão Diego Ruiz Lozano quando ela era uma menina. Especula-se que o pai teria abandonado o lar, e esse traumatismo seria a principal razão para Juana Inés lançar-se no caminho das letras. Em 1656 é enviada para viver com parentes na Cidade do México depois da morte do avô. Sua mãe já constituíra nova família e Juana Inés começou a conviver com seus co-irmãos.

Vivendo os primeiros anos com a mãe e o avô, Juana Inês aprendeu a ler e escrever em casa, como era o costume da época, e foi fortemente influenciada pela paixão do avô pelos livros. Mas esse mundo era um mundo masculino, mundo de clérigos e letrados. A função dos livros era uma compensação pela dupla falta original: a do nascimento ilegítimo e a ausência do pai; substituição da presença dominante do intruso padrasto e, sobretudo, a sublimação que resolve seu conflito interior.

“O mundo dos livros é composto de eleitos no qual os obstáculos materiais e as contingências cotidianas se afinam até evaporarem quase que totalmente. A verdadeira realidade, dizem os livros, são as ideias e as palavras que lhes dão significado: a realidade é a linguagem. Juana Inés habita a casa da linguagem. Essa casa não está povoada por homens e mulheres, mas por umas criaturas mais reais, duradouras e mais consistentes que todas as realidades e todos os seres de carne e osso: as ideias. A casa das ideias é estável, segura, sólida. Nesse mundo cambiante e feroz, existe um lugar inexpugnável: a biblioteca. Nela, Juana Inés encontra não só um refúgio como um espaço que substitui a realidade da casa com seus conflitos e fantasmas. A decisão de vestir o hábito, anos mais tarde, fica mais compreensível se pensarmos nesse descobrimento infantil. O convento é o equivalente da biblioteca.... A cela-biblioteca é a concha materna e nela se fechar é voltar ao mundo de origem. O autoerotismo infantil é o sucedâneo da situação pré-natal paradisíaca na qual não existe distinção entre o sujeito e o objeto. A leitura toma o lugar do autoerotismo: a confusão entre o sujeito e objeto revive, transmutada na passividade da leitura. Nela, o sujeito pode por fim se estender e se balançar como um objeto; na leitura, o sujeito alternadamente se contempla e esquece de si próprio, se olha e é olhado pelo que lê. Tempo rítmico da cela e da biblioteca, tempo que revive o berço ninado pela maré do existir”. (OP, p. 125)

Em 1669 ingressa no Convento São Jerônimo, aos vinte e um anos de idade, depois de 12 anos sozinha na casa de parentes. Dessa fase pouco se sabe, apenas que cresceu, brilhou nas tertúlias pelo conhecimento adquirido, e se transformou em uma adulta bela e culta. Apresentada à corte dos novos vice-reis do México, logo caiu nas graças da marquesa de Mancera, vice-rainha com nome de batismo de Leonor Carreto. Em pouco tempo tornaram-se amigas e a influência de Juana Inés nunca mais deixou de crescer junto à marquesa. “Juana Inês era uma companhia agradável, serviçal e discreta; a essas considerações utilitárias e mundanas somavam-se o assombro diante de um prodígio de inteligência e saber; e ao assombro juntava-se a piedade que inspira uma jovem sozinha no mundo”. (p. 138)

No soy yo la que pensáis,
sino es que allá me habéis dado
otro ser en vuestras plumas
y otro aliento en vuestros labios.

Em um poema, aos 18 anos de idade, chamado ‘Empeños de una casa’, retrata-se com as seguintes palavras:

Inclinéme a los estúdios
Desde mis primeros años
Com tan ardientes desvelos,
Con tan ansiosos cuidados
Que reduje a tiempo breve
Fatigas de mucho espacio.
Conmuté el tiempo, industriosa,
A lo intenso del trabajo,
De modo que em breve tiempo
Era El admirable Blanco
De todas las atenciones,
De tal modo, que llegaron
A venerar como infuso
Lo que fue adquirido Lauro.
Era de mi pátria toda
El objeto venerado
De aquellas adoraciones
Que forma el común aplauso;
Y como lo que decía,
Fuese bueno o fuese malo,
Ni el rostro lo deslucía,
Ni lo desairaba el garbo,
Llegó la superstición
Popular a empeño tanto,
Que ya adoraban deidad
El ídolo que formaron.
Voló la Fama parlera,
Discurrió reinos extrãnos,
Y en la distancia segura
Acreditó informes falsos.
La pasión se puso anteojos,
De tan egañosos grados,
Que a mis moderadas prendas
Agrandaban los tamaños. (OP, p. 147)

O grande mistério de entrar para um convento alguém já reconhecida por suas qualidades intelectuais, nunca foi suficientemente compreendido. Falta de dote, rejeição à vida de casada, conflitos pessoais, etc., nunca foram suficientes para a compreensão de sua atitude. Principalmente quando se descobriu que Juana Inés inicialmente entrou para a Ordem das Carmelitas como noviça, de onde saiu três meses depois arrependida do rigor das regras. Retorna um ano depois para o convento de São Jerônimo para nunca mais sair. Havia conflitos externos que seguramente pesaram fortemente na renúncia.

“A maioria dos críticos católicos pensa que Juana Inés escolheu a vida religiosa por autêntica vocação, quer dizer, porque ouviu o chamado de Deus. É evidente que Juana Inés era uma católica sincera. Não está em jogo sua ortodoxia, mas esquecer que nessa época a vida religiosa era uma ocupação como as outras seria esquecer muito. Os conventos estavam cheios de mulheres que haviam vestido o hábito não por responder a um chamado divino, mas só por considerações e necessidades mundanas; seu caso não era distinto dos das jovens que hoje procuram uma carreira que ao mesmo tempo lhes dê sustento econômico e respeitabilidade social. A vida religiosa no século XVII era uma profissão... As mulheres vestiam os hábitos porque, seja por acertos familiares, falta de fortuna ou por qualquer outra razão não podiam casar-se; também as que estavam sozinhas no mundo e sem um apoio masculino”. (OP, p. 156-157)

Em viagem que fiz ao sul do Brasil de carro em 2009/2010, presenciei 3 conventos de freiras que fecharam por inadequação das ordens religiosas ao mundo tecnológico: o primeiro em Ascurra, na região de Pomerode (SC); o segundo em Nova Veneza, na região de Criciúma (SC); e o terceiro em Arroio Grande, distrito de Santa Maria (RS). Como colégios situados em locais pequenos, entraram em declínio e fecharam as portas porque as famílias migraram para centros maiores, e porque já não possuíam o mesmo tipo de atividade econômica dos séculos XIX-XX.


A cidade do México no século XVII

No final do século XVII, havia na cidade do México 29 conventos de frades e 22 de freiras. A população da cidade era de uns 20 mil espanhóis e criollos, e uns 8 mil índios, mestiços e mulatos. Era, portanto, um século religioso, pois um convento era uma entidade econômica: servia de colégio, hotel, local de estudo de música, teatro, artes e ofícios como a costura, o bordado, e restaurante com cozinha. Dispunha de criação de animais, horta, cultivo de frutíferas, biblioteca e capela. As ordens religiosas possuíam grandes propriedades de terras que arrendavam. Aceitavam investimentos e pagavam uma taxa de 5% de juro anual. Eram instituições ricas, embora os frades e freiras fossem proibidos da ostentação da corte.

As freiras levavam para o convento suas empregadas e escravas. Na média havia 3 criadas para cada freira. As celas individuais eram tão grandes que poderiam abrigar uma família inteira. Era um pequeno apartamento para os dias de hoje. No São Jerônimo, havia um segundo andar, como se fosse um loft. Uma cela podia ser vendida ou alugada. A adesão a um convento implicava no pagamento de um dote. A administração era escolhida por eleição a cada 3 anos. “A autoridade máxima era a prioresa ou abadessa, assistida por uma vigária, uma ou várias professoras de noviças, uma porteira mais velha, duas ou mais ‘corretoras’ (vigilantes), uma procuradora (economista), algumas ‘definidoras’ que resolviam casos duvidosos, uma contadora (tesoureira), uma arquivista e, em alguns conventos, uma bibliotecária. Os cargos eram rotativos, mas havia reeleição” (OP, p. 178). Sóror Juana foi arquivista e contadora durante 9 anos.

Havia rivalidades, intrigas, associações para finalidades específicas, querelas, antipatias e até rebeliões. Muitos problemas eram tratados com a intervenção de autoridades eclesiásticas externas. A violência tinha lugar, pois castigos e até punições severas eram praticados. As freiras não saíam, mas recebiam visitas desde a alta corte até as figuras distintas do clero e da sociedade. Em geral, depois dos rituais religiosos, as freiras recebiam os participantes nos locutórios, locais onde se travavam grandes tertúlias. Além disso, havia eventos não religiosos, como cantos, bailes, teatros.

A rotina de um convento começava com as rezas da ‘prima’ às seis da manhã. Na fase anterior à medição do tempo por relógios, as horas tinham esses nomes estranhos. Às sete horas havia a missa com os coros; às oito, o café da manhã: pão, ovos, leite, manteiga. Às nove, as rezas da ‘terça’ (terceira hora depois das seis da manhã). Então começavam a trabalhar, seja na sala comum dos trabalhos, como em suas próprias celas, dependendo dos critérios e licenças da direção. Ao meio-dia as rezas da ‘sexta’, depois o almoço. Às 3 da tarde correspondia à ‘nona’, mais rezas e um intervalo de descanso seguido de um lanche. Às sete vinham as ‘vésperas’ seguidas de um jantar, um intervalo de recreação, e terminam nas ‘completas’, novamente rezas antecedendo o dormir. Havia os jejuns da Igreja, e às sextas-feiras havia o ‘capítulo’, uma reunião para discutir assuntos disciplinares e as penitências impostas às faltantes. Havia castigos que variavam de rezas até a prisão perpétua no convento. Evidentemente que as penas eram em geral leves. Mas surpreendentemente as comunhões não eram obrigatórias, salvos nas grandes festas, o que significa que a confissão não deveria ser tão recorrente.

Com tal monotonia de vida, Paz observa que não era “extraordinário o fato de algumas freiras se abandonarem a piedosas e cruéis excentricidades, mas de não terem enlouquecido. Para certas naturezas pouco resistentes, o tédio e as longas horas de ócio fomentavam delírios mórbidos, visões fantasmagóricas, e não poucas vezes pesar e horror por suas irmãs e por elas próprias”.

“Para a maioria das freiras a vida conventual era terreno propício às fofocas, intrigas e conjurações – todas as variedades da paixão cabalista, como chamava Fourier a esse amor pelo poder que nos leva a formar camarilhas e bandos. Esta paixão, diz o grande utopista, ‘é um entusiasmo calculador’. A união de cálculo e ambição é o veneno secreto que, conjuntamente, anima e corrompe a vida das associações fechadas – a Corte, a Igreja, a Milícia, a Universidade, o Partido, a Academia. A paixão cabalista, aliança entre a ambição e inveja, sobretudo em sua forma vulgar, a politicagem, busca para se satisfazer, a cumplicidade dos demais. O preço é alto: para se servir dos outros, o ambicioso não tem mais remédio a não ser servi-los. Juana Inés queixou-se muito das intrigas e invejas de suas irmãs: é quase certo que sua renúncia às letras tenha sido o resultado de uma cabala clerical contra ela. Mas ela também dominou esta arte feita de talento, dissimulação, paciência e sangue frio. Sobreviveu a mais de vinte anos de vida conventual e intrigas eclesiásticas e palacianas, não só graças às suas qualidades morais e intelectuais, como por sua habilidade. Suas relações com o palácio vice-reinal revelam um tino político nada comum. Como as outras mulheres de sua família, Juana Inés tinha uma natureza elástica e flexível, teimosa e sinuosa, deferente mas obstinada” (OP, p. 185-186).


A obra de Juana Inés

Este amoroso tormento
que en mi corazón se ve,
sé que lo siento, y no sé
la causa porque lo siento. (...)

Siento mal del mismo bien
con receloso temor,
y me obliga el mismo amor
tal vez a mostrar desdén.

Ya sufrida, ya irritada,
con contrarias penas lucho:
que por él sufriré mucho,
y con él sufriré nada.

No sé en qué lógica cabe
el que tal cuestión se pruebe:
que por él lo grave es leve,

y con él lo leve es grave. (...)
Si acaso me contradigo
en este confuso error, (...)
aquél que tuviere amor
entenderá lo que digo.

A obra de Juana Inés de la Cruz é conhecida apenas parcialmente, e sabe-se que uma parte muito pequena foi resumida em teatro (Los empeños de uma casa, Amor es mas labirinto); a lírica (Poesia Amorosa, Primer Sueño). Sua correspondência era intensa com “metade” da Espanha. Ela era uma escritora compulsiva. O padre Calleja, com quem se correspondeu por mais de 20 anos, dizia que era impossível vencê-la nos versos e nas construções alegóricas. Sua obra conhecida é Neptuno Alegórico, Fama y obras Póstumas, e A Carta Atenagórica.

Neptuno Alegórico refere-se à preparação da chegada dos vice-reis ao México. Trata-se de uma obra que envolvia desde a saudação, a leitura de poemas e vilancicos (tipo de composição festiva), a concepção arquitetônica do arco do triunfo (um costume da renascença especialmente cultuado na imponência espanhola), e discursos de apresentação.

Na Carta Atenagórica, Sóror Juana escreve uma crítica ao padre Antonio Vieira, de quem lera os sermões. É uma homenagem à sabedoria de Ateneia. Ateneia de Athena, a deusa grega da sabedoria. Vieira nunca soube da crítica de Juana Inés, que apareceu nos últimos dias de novembro de 1690 quando Vieira já estava exilado em Salvador. O Sermão do Mandato era predicado na quinta-feira, na cerimônia do lavatório, cujo tema era “amai-vos uns aos outros”, um versículo de São João. Vieira escreveu 3 ou 4 sermões em ocasiões diferentes. O tema do amor era natural na poesia, mas na prosa revela-se uma crítica à interpretação do evangelho. O que ocorreu com Juana Inés foi ser o alvo da disputa pelo poder entre prelados, algo que somente podemos avaliar comparando com a ortodoxia marxista do século XX e o destino de diversos revolucionários caídos em desgraça sob a acusação de revisionismo, reformismo, dogmatismo, sectarismo ou qualquer outro desvio ideológico usado como instrumento de luta pelo poder.

A Carta Atenagórica foi a perdição de Juana Inés. A crítica não era perdoada naquela época; somente podia exercê-la quem estivesse protegido pelo poder. Os acontecimentos que vieram a se precipitar sobre Juana Inés foram turbinados pela inveja de seu talento, um veneno que permanece atuando até hoje nos círculos artísticos.

Detente, sombra de mi bien esquivo,
imagen del hechizo que más quiero,
bella ilusión por quien alegre muero,
dulce ficción por quien penosa vivo.

Si al imán de tus gracias, atractivo,
sirve mi pecho de obediente acero,
¿para qué me enamoras lisonjero
si has de burlarme luego fugitivo?

Mas blasonar no puedes, satisfecho,
de que triunfa de mí tu tiranía:
que aunque dejas burlado el lazo estrecho

que tu forma fantástica ceñía,
poco importa burlar brazos y pecho
si te labra prisión mi fantasía.

Exemplo de soneto em que se acusou Juana Inés de licenciosidade:

Esta tarde, mi bien, cuando te hablaba,
como en tu rostro y tus acciones vía
que con palabras no te persuadía,
que el corazón me vieses deseaba;

y Amor, que mis intentos ayudaba,
venció lo que imposible parecía:
pues entre el llanto, que el dolor vertía,
el corazón deshecho destilaba.

Baste ya de rigores, mi bien, baste;
no te atormenten más celos tiranos,
ni el vil recelo tu quietud contraste
con sombras necias, con indicios vanos,
pues ya en líquido humor viste y tocaste
mi corazón deshecho entre tus manos.


O Padre Vieira

Curiosamente o padre Antonio Vieira conheceu Gregório de Matos. Mas não sabemos se tiveram tertúlias em comum, pois eram personalidades diferentes. Vieira não era literato, nem mesmo poeta, e muito menos boêmio, como Gregório de Matos.

O Padre Vieira (1608-1697) nasceu em Lisboa e morreu em Salvador. Veio para o Brasil ainda criança, com o pai enviado de Portugal. Com a invasão holandesa de Salvador em 1624, refugiou-se no interior do recôncavo, passando a conviver com os índios. Logo aprendeu o Tupi e se interessou pelos povos indígenas. Teve uma vida cosmopolita, privilegiada pelo seu intelecto e capacidade de oratória. Mas suas ideias se chocavam com sua época, da mesma forma que Juana Inés e Gregório. Vieira defendeu a entrega de Pernambuco aos holandeses quando da segunda invasão (1630-1654) porque a manutenção do esforço de expulsão custava dez vezes mais do que os benefícios de colonizar a região. Era uma posição inaceitável para Portugal. Vieira também defendia os cristãos novos, no caso os judeus convertidos, contra a sanha da Inquisição que só conferia títulos e empregos de primeira linha para os que demonstrassem a pureza de sangue. Isso lhe colocou na mira da Inquisição. Vieira se defendia pelos altos contatos que tinha na corte portuguesa, estratégia usada também por Juana Inés. Mas seu brilho intelectual produzia ciúmes entre seus pares do clero. Além disso, contornava o poder eclesiástico solicitando favores diretamente ao rei.

Vieira ordenou-se sacerdote em Olinda em 1634, em plena ocupação holandesa. Com a restauração da independência de Portugal do domínio da Espanha em 1640, vai para Lisboa e ingressa na carreira diplomática. Conquistou a confiança de D. João IV, rei de Portugal, por sua personalidade vivaz e brilhante retórica. Isto lhe permitiu contornar suas dificuldades com as patrulhas ideológicas de seu tempo, especialmente quando defendia os índios contra os colonos escravagistas, a quem acusava de maus tratos e comportamento arrogante e truculento, especialmente quando esteve pregando no Maranhão, entre 1652 e 1661. Era hostilizado pelos dominicanos (Vieira era da ordem dos jesuítas), que eram os membros do Santo Ofício. Ao defender abertamente os índios contra a exploração, foi expulso pelo vice-rei do Grão-Pará, retornando a Lisboa. O Brasil já demonstrava, desde o descobrimento, sua dualidade social e sua total incapacidade de coesão e inclusão social que permanece até hoje. O índio era diferente e não se integrava ao império, pois era visto apenas como escravo no sentido econômico e objeto sexual, na moralidade relapsa do amancebamento generalizado até mesmo de missionários que, isolados, abandonavam os votos de castidade em troca de um sem número de concubinas índias, deixando-se conduzir por uma vida de preguiça e luxúria, tal qual os índios. Era nessa atmosfera de lassidão moral que missionários do tipo Manoel da Nóbrega, Anchieta e, um século mais tarde, Vieira tinham de trabalhar.

Vieira caiu em desgraça com a ascensão de D. Afonso VI ao trono de Portugal. Defendendo a teoria do quinto império (depois do Mesopotâmico, Persa, Grego e Romano), Vieira dizia que estava reservado a Portugal o grande destino de dominar o mundo. Vieira foi novamente hostilizado e refugiou-se em Roma onde permaneceu por seis anos. Sua oratória mais uma vez o tornou capaz de cativar altas personalidades, como a rainha Cristina da Suécia, exilada em Roma, e até o papa. Vendo sua influência ascender, denunciou os múltiplos abusos da Inquisição portuguesa ao papa, fazendo com que este proibisse a ação do Santo Ofício entre 1675 e 1681. Regressou a Lisboa e, incompatibilizado com a corte, decidiu regressar ao Brasil em 1681, onde passou a dedicar-se a reunir seus sermões e mais de 500 cartas, que coligiu escrevendo aos destinatários. Como Gregório de Matos, que voltou para o Brasil um ano depois, em 1682, em fase altamente poética e mundana, não sabemos quantas vezes se encontraram em eventos oficiais, pois não tinham afinidades, mas estiveram juntos na mesma cidade até a expulsão de Gregório de Matos de Salvador.


A fase final de Gregório de Matos

Na Bahia, veio acompanhado de seu fiel seguidor, Tomas Pinto Brandão, companheiro de trovas e libertinagem. Salvador era um fervilhar de mazombos (filhos de portugueses), mulatos, mamelucos e brancos. Gregório achava os mulatos uns mal-educados, mas tinha predileção especial em sua verve poética pelas mulatinhas. Sua alegoria da miscigenação racial pode ser vista neste poema:

Quais são seus doces objetos? .... Pretos.
Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços.
Quais desses lhe são mais gratos? .... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
dou ao Demo o povo asnal,
que estima por cabedal,
pretos, mestiços, mulatos.

Compare com os versos semelhantes (pelo período histórico, mas completamente diferentes pelo objeto lírico) de Juana Inés:

Y com sus ecos suaves,
                    las Aves;
y com sus dulces corrientes,
                     las Fuentes;
y com cláusulas de olores,
                     las Flores;
y com sus verdes gargantas,
                     las Plantas...

Juana Inés fazia poesia do divino, do sensível, enquanto Gregório era um crítico social e mundano. A poesia obscena de Gregório tem uma extraordinária importância, pois permite uma análise dos costumes, do erotismo, dos desejos e, numa sociedade piedosa, das aberrações sexuais da época. Seu anticlericalismo fornece os elementos para o entendimento da hipocrisia social comprovada na transgressão dos votos de castidade dos clérigos, da obsessão sexual pela mulata. Sua poesia é obscena e complexa, com construções que nem sempre se entendem nos dias atuais. Sua obra satírica abrange um volume inteiro. Escreveu dezenas de poemas para celebrar cornos e putas, seduções e conquistas, pornografia e masoquismo, como, por exemplo, o soneto à mulata Vicência que amava três sujeitos ao mesmo tempo:

Com vossos três amantes me confundo,
mas vendo-os com todos cuidadosa,
entendo que de amor e amorosa
podeis vender amor a todo mundo.
Se do amor vosso peito é tão fecundo,
E tendes esta entranha tão piedosa,
Vendei-me de afeição uma ventosa,
que é pouco mais que um selamin sem fundo.
Se tal compro, e nas cartas há verdade,
Eu terei, quando menos, trinta damas,
que infunde vosso amor pluralidade.
E dirá, quem me vir com tantas chamas,
que Vicência me fez a caridade,
porque o leite mamei das suas mamas.

Selamin é palavra inexistente em nosso léxico atual, mas em Portugal foi uma medida de 1,725 litros, utilizada para cereais e secos. Mas o selamin sem fundo era uma quarta (isto é uma bandeja que se mediam 3,4 litros de um cereal, que com o fundo virava metade do volume, um selamin, sendo por isso uma expressão para trapaça, para alguma coisa que vale só a metade. Gregório é mais complexo do que se imagina. Entender sua poesia requer dedicação através da pesquisa nem sempre contemplada. E deixo ao leitor a interpretação de “vendei-me de afeição uma ventosa”.

Sua decadência ocorre com a chegada de uma triste figura em Salvador: o jovem filho do governador da Bahia, chamado Câmara Coutinho, de quem Gregório não gostava escarnecendo-o frequentemente em versos. O governador é substituído em 25/3/1694 por João Lencastre, considerado amigo de Gregório. Mas o filho do ex-governador logo se investe em disputas poéticas com o Boca do Inferno. E deve ter levado uma surra lírica. Além disso, houve ciúmes de mulheres que devem ter provocado ainda mais a ferocidade fescenina de ambos. Neste ponto, Pedro Calmon esboça sua tese muito discutível: a disputa evoluiu para uma conspiração contra a vida de Gregório. O governador soube da contenda e o mandou esconder-se. Gregório não só desdenhava seu rival, como ignorava a trama que se urdia contra ele. João Lencastre não deixou por menos: para salvar a vida do amigo, mandou prendê-lo e desterrá-lo em Angola.

A hipótese não convence, e procura por um caminho contemporizador: achar uma solução que preserve a vida de um condenado com sua expulsão da Bahia. Tudo indica que seu desterro foi uma medida política para se livrar de um inconveniente. Recém-empossado, João Lencastre poderia colocar em risco seu cargo se a sociedade protegesse o Boca do Inferno. Ou até mesmo desprestigiá-lo por ter de julgar um homem de letras com base na coleta de poemas apócrifos e facilmente rechaçáveis pelo acusado, provocando embaraços e reprovações da elite de quem ele dependia para seu projeto de poder. Se o seu caso fosse entregue à Inquisição, o Padre Vieira – um ex-indiciado – poderia interceder em favor do amigo e complicar ainda mais o resultado.

Como Juana Inés, que contornou a Inquisição pela abjuração, Gregório de Matos foi expulso da Bahia e mandado em degredo para a África depois de ficar detido à espera de um navio. Escreveu um poema que serviria para Juana Inés e reflete o estilo da época barroca:

Que falta nesta cidade? ..... Verdade
Que mais por sua desonra? ..... Honra.
Falta mais que se lhe ponha? .... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha

Passou pouco tempo na África, por se envolver na intermediação de uma rebelião local de soldados logrados com a promessa de soldo pelo governador de Luanda. Conseguiu o perdão do degredo e retornou ao Brasil, porém foi obrigado a se estabelecer em Recife, longe da Bahia. Ali, acometido por uma doença, faleceu poucos meses depois em novembro de 1695.

O legado de Gregório de Matos continua a ser explorado. Algumas correntes literárias classificam-no como a primeira brasileirização de nossas letras. O Boca do Inferno seria o nosso ponto de partida do idioma nacional. Exatamente pela sua personalidade avessa ao poder, desconfiada das instituições coloniais, repulsiva à hipocrisia e privilégios da Corte, ele usou em seus poemas os termos africanos e indígenas que circulavam nas vias públicas da Bahia.

“Quem intrometeu o linguajar caboclo na fala poética, quem arrebanhou na senzala as mulatas, quem introduziu na cantiga o cotidiano, quem fez de sua arte o protesto, não do europeu que se revolta, mas do brasileiro que se reconhece, quem pediu e vociferou, senão ele, por sua terra e sua gente?

“Escutaram-no os eruditos, que lhe guardam os apógrafos – como antes da imprensa se conservavam os cartapácios nas estantes monacais, e os estudantes acabaram reproduzindo-lhe a chocarrice, esquecendo o autor. Reviveu pela memória coletiva – revelada pelas variantes joviais de sua produção caudalosa” (Pedro Calmon, p. 209-210).

Excetuando a Europa, e especialmente a Espanha barroca, nas Américas Gregório só teve concorrente em Juana Inês no México. Foram os dois grandes gênios poéticos do segundo século após o descobrimento.

13 de novembro de 2012

Paz: Dostoievsky

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Dostoievski: el diablo y el ideólogo

Octavio Paz

Hace un siglo, el 28 de enero de 1881, murió Fedor Dostoievski. Desde entonces su influencia no ha cesado de crecer y extenderse; primero en su patria ― ya había alcanzado en vida la celebridad ―, después en Europa, América y Asia. Esta influencia no ha sido exclusivamente literaria sino espiritual y vital: varias generaciones han leído sus novelas no como ficciones sino como estudios sobre el alma humana y cientos de miles de lectores en todo el mundo han conversado y discutido silenciosamente con sus personajes, como si fuesen viejos conocidos. Su obra ha marcado a espíritus tan diversos como Nietzsche y Gide. Faulkner y Camus; en México dos escritores lo leyeron con pasión, sin duda porque pertenecían a su misma familia intelectual y se reconocían en muchas de sus ideas y obsesiones: Vasconcelos y Revueltas. Es (o fue) un autor preferido por los jóvenes: todavía recuerdo las conversaciones interminables que sostenía, al finalizar el bachillerato, con algunos compañeros de clase, en caminatas que comenzaban al anochecer en San Ildefonso y terminaban, pasada la medianoche, en Santa María o en la Avenida de los Insurgentes, en busca del último tranvía. Iván y Dimitri Karamazov peleaban en cada uno de nosotros.

Nada más natural que aquel fervor: a pesar del siglo que nos separa, Dostoievski es nuestro gran contemporáneo. Muy pocos escritores del pasado poseen su actualidad: leer sus novelas es leer una crónica del siglo XX. Pero su actualidad no es la de la novedad intelectual o literaria. Por sus gustos y sus preocupaciones estéticas es un escritor de otra edad; es prolijo y, si no fuese por su humor, extrañamente moderno, muchas de sus páginas serían tediosas. Su mundo histórico no es el nuestro. El Diario de un escritor tiene muchas páginas que me repugnan por su esclavismo y antisemitismo. Sus tiradas antieuropeas me recuerdan, aunque son más inspiradas, los desahogos y resentimientos del nacionalismo mexicano e hispanoamericano. Su visión de la historia a veces es profunda pero también confusa: carece de esa comprensión del acontecimiento, a un tiempo rápida y aguda, que nos deleita, por ejemplo, en un Stendhal. Tampoco tuvo la mirada de un Tocqueville, que traspasa la superficie de una sociedad y de una época. No fue, como Tolstoy, un cronista épico. No nos cuenta lo que pasa sino que nos obliga a descender al subsuelo para que veamos qué es lo que está pasando realmente: nos obliga a vernos a nosotros mismos. Dostoievski es nuestro contemporáneo porque adivinó cuáles iban a ser los dramas y conflictos de nuestra época. Y lo adivinó no porque tuviese el don de la doble vista o fuese capaz de prever los sucesos futuros sino porque tuvo la facultad de penetrar en el interior de las almas.

Fue uno de los primeros ― tal vez el primero ― que se dio cuenta del nihilismo moderno. Nos ha dejado descripciones de ese fenómeno espiritual que son inolvidables y que, todavía, nos estremecen por su penetración y su misteriosa exactitud. El nihilismo de la Antigüedad estaba emparentado con el escepticismo y el epicureísmo; su ideal era una noble serenidad: alcanzar la ecuanimidad ante los accidentes de la fortuna. El nihilismo de la India antigua, que tanto impresionó a Alejandro y a sus acompañantes, según cuenta Plutarco, era una actitud filosófica no sin analogía con el pirronismo y que terminaba en la contemplación de la vacuidad. El nihilismo era, para Nagarjuna y sus seguidores, la antesala de la religión. Pero el nihilismo moderno, aunque también nace de una convicción intelectual, no desemboca ni en la impasibilidad filosófica ni en la beatitud de la ataraxia; más bien es una incapacidad para creer y afirmar algo, una falla espiritual más que una filosofía.

Nietzsche imaginó el advenimiento de un "nihilista completo", encarnado en la figura del Superhombre, que juega, danza y ríe en los giros del Eterno Retorno. La danza del Superhombre celebra la insignificancia universal, la evaporación del sentido y la subversión de los valores. Pero el verdadero nihilista, como lo vio con mayor realismo Dostoievski, no danza ni ríe: va de aquí para allá ― alrededor de su cuarto o, es igual para él, alrededor del mundo ― sin poder jamás descansar pero también sin poder hacer nada. Está condenado a dar vueltas, hablando con sus fantasmas. Su mal, como el de los libertinos de Sade o la acidia de los monjes medievales, atacados por el demonio de mediodía, es una continua insatisfacción, un no poder amar a nadie ni a nada, una agitación sin objeto, un disgusto ante sí mismo ― y un amor por sí mismo. El nihilista moderno, Narciso desdichado, mira en el fondo del agua su imagen rota en pedazos. La visión de su caída lo fascina: siente náuseas ante sí mismo y no puede apartar los ojos de sí. Quevedo adivinó su estado en dos líneas difíciles de olvidar:

las aguas del abismo
donde me enamoraba de mí mismo.

Stavrogin, el héroe de Demonios (aunque sea menos literal, la antigua traducción: Los poseídos, era más exacta), escribe a Daria Pavlovna, que lo amaba: "He puesto a prueba, en todas partes, mi fuerza ... Durante esas pruebas, ante mí mismo o ante los otros, esa fuerza se ha revelado siempre sin límites. Pero ¿a qué aplicarla? Esto es lo que nunca supe y lo que continúo sin saber, a pesar de todo el ánimo que quieres darme ... Puedo sentir el deseo de realizar una buena acción y esto me da placer; sin embargo, experimento el mismo placer ante el deseo de cometer una maldad ... Mis sentimientos son mezquinos, nunca fuertes ... Me lancé al libertinaje ... pero no amo ni me gusta el libertinaje... ¿ Crees, porque me amas, que podrás darle algún propósito a mi existencia? No seas imprudente: mi amor es tan mezquino como yo ... Tu hermano me dijo un día que aquel que ya no tiene lazos con la tierra, pierde inmediatamente a sus dioses, es decir, a sus designios. Se puede discutir de todo indefinidamente pero yo sólo puedo negar, negar sin la menor grandeza de alma, sin fuerza. En mí, la negación misma es mezquina. Todo es fofo, blanduzco mole. El generoso Kirilov no pudo soportar su idea y se voló la tapa de los sesos estourou os miolos ... Yo nunca podría perder la razón ni creer en una idea, como él ... Yo nunca, nunca, podría darme un tiro en la sien." ¿Cómo definir a esta situación? Desánimo, falta de ánima. Stavrogin: el desalmado.

Sin embargo, después de haber escrito esa carta, Stavrogin se ahorca en el desván. Ultima paradoja: el cordón era de seda y el suicida, previa y cuidadosamente, lo había untado de jabón. La grandeza del nihilista no reside ni en su actitud ni en sus ideas sino en su lucidez. Su claridad lo redime de lo que Stavrogin llamaba su bajeza o mezquindad. ¿O el suicidio, lejos de ser una respuesta, es otra prueba? Si es así, es una prueba insuficiente. No importa: el nihilista es un héroe intelectual pues se atreve a penetrar en su alma dividida, a sabiendas de que se trata de una exploración sin esperanza. Nietzsche diría que Stavrogin es un "nihilista incompleto": le falta el saber del Eterno Retorno. Pero quizá sea más exacto decir que el personaje de Dostoievski, como tantos de nuestros contemporáneos, es un cristiano incompleto. Ha dejado de creer pero no ha podido substituir las antiguas certidumbres por otras ni vivir a la intemperie, sin ideas que justifiquen o den sentido a su existencia. Dios ha desaparecido, no el mal. La pérdida de las referencias ultraterrenas no extinguen al pecado: al contrario, le dan una suerte de inmortalidad. El nihilista está más cerca del pesimismo gnóstico que del optimismo cristiano y su esperanza en la salvación. Si no hay Dios no hay redención de los pecados pero tampoco hay abolición del mal: el pecado deja de ser un accidente, un estado y se transforma en la condición permanente de los hombres. Es un agustinismo al revés: el mal es ser. El utopista quisiera traer el cielo a la tierra, hacernos dioses; el nihilista se sabe condenado de nacimiento: la tierra ya es el infierno.

El retrato del nihilista, ¿es un autorretrato? Si y no: Dostoievski quiere escapar del nihilismo no por el suicidio y la negación sino por la afirmación y la alegría. La respuesta al nihilismo, enfermedad de intelectuales, es la simplicidad vital de Dimitri Karamazov o la alegría sobrenatural de Aliocha. De una y otra manera, la respuesta no está en la filosofía y las ideas sino en la vida. La refutación al nihilismo es la inocencia de los simples. El mundo de Dostoievski está poblado de hombres, mujeres y niños a un tiempo cotidianos y prodigiosos. Unos san angustiados y otros sensuales, unos cantan en la abyección y otros se desesperan en la prosperidad. Hay santos y criminales, idiotas y genios, mujeres piadosas como un vaso de agua y niños que son ángeles atormentados por sus padres. (¡Qué opuestas visiones de la niñez la de Dostoievski y la de Freud! Mundo de criminales y justos: para unos y otros están abiertas las puertas del reino de los cielos. Todos pueden salvarse o perderse. El cadáver del padre Zósima despide un tufo exala um cheiro de corrupción, revelador de que, a pesar de su piedad, no murió en olor de santidad; en cambio, al recordar a los bandidos y criminales que fueron sus compañeros de prisión en Siberia, Dostoievski dice: "allá el hombre, de pronto, escapa a toda medida". El hombre, "criatura improbable", puede salvarse en cualquier momento. En esto el cristianismo de Dostoievski está cerca de las ideas sobre la libertad y la gracia de Calderón, Tirso y Mira de Amescua.

Para nosotros, los santos y las prostitutas, los criminales y los justos de Dostoievski poseen una realidad casi sobrehumana; quiero decir, son seres insólitos y de otro tiempo. Un tiempo en vías de extinción: pertenecen a la era preindustrial. En este sentido Marx fue más lúcido pues previó la disgregación de los vínculos tradicionales y la erosión de las antiguas formas de vida por la doble acción del mercado capitalista y la industria. Pero Marx no adivinó el surgimiento de un nuevo tipo de hombres que, aunque llamándose sus herederos, consumarían en el siglo XX la ruina de los sueños y aspiraciones socialistas. Dostoievski fue el primero en describir esta clase de hombres. Nosotros los conocemos muy bien pues en nuestros días se han convertido en legión: son los sectarios y los fanáticos de la ideología, los prosélitos de los Stavrogin y los Iván. Su prototipo es Smerdiakov, el parricida, discípulo de Iván.

Los sectarios no han heredado de los nihilistas la lucidez sino la incredulidad. Mejor dicho, han convertido a la incredulidad en una nueva y más baja superstición. Dostoievski los llama endemoniados aunque, a diferencia de lván y de Stavrogin, no tienen conciencia de que están poseídos por los diablos. Por eso los compara con los cerdos del Evangelio (San Lucas, VII, 32-36). Al perder su antigua fe, veneran ídolos falsamente racionales: el progreso, las utopías sociales y revolucionarias. Han abjurado de la religión de sus padres, no de la religión: en lugar de Cristo y la Virgen adoran dos o tres ideas de manual. Son los antepasados de nuestros terroristas. El mundo de Dostoievski es el de una sociedad enferma de esa corrupción de la religión que llamamos ideología. Su mundo es la prefiguración del nuestro.

Dostoievski fue revolucionario en su juventud. Por sus actividades fue encarcelado. condenado a muerte y después perdonado. Pasó varios años en Siberia ― los campos de concentración de la Rusia actual son una herencia perfeccionada y amplificada del sistema de represión zarista ― y a su regreso rompió con su pasado radical. Fue conservador, cristiano, monárquico y nacionalista. Sin embargo, sería un error reducir su obra a una definición ideológica. No fue un ideólogo ― aunque las ideas tengan una importancia cardinal en sus novelas ― sino un novelista. Uno de sus héroes, Dimitri Karamazov, dice: Debemos amar más a la vida que al sentido de la vida. Dimitri es una respuesta a Iván, pero no es la respuesta: Dostoievski no opone una idea a otra sino una realidad humana a otra. A diferencia de Flaubert, James o Proust, las ideas son reales para él, pero no en sí mismas sino como una dimensión religiosa de la existencia. Las únicas ideas que le interesaron fueron las ideas encarnadas. Algunas vienen de Dios, es decir, de la profundidad del corazón; otras, las más, vienen del diablo, es decir, del cerebro. Como el alma de los clérigos medievales, la conciencia del intelectual moderno es un teatro de batalla. Las novelas de Dostoievski, desde esta perspectiva, son parábolas religiosas y su arte está más cerca de San Pablo, San Agustín y Pascal que el realismo moderno. Al mismo tiempo, por el rigor de sus análisis psicológicos, su obra anticipa a Freud y, en cierto modo, lo trasciende.

Debemos a Dostoievski el diagnóstico más profundo y completo de la enfermedad moderna: la escisión psíquica, la conciencia dividida. Su descripción es, simultáneamente, psicológica y religiosa. Stavrogin e Iván padecen visiones: ven y hablan con espectros que son demonios. Al mismo tiempo, como ambos son modernos, atribuyen esas apariciones a trastornos psíquicos: son proyecciones de su alma perturbada. Pero ninguno de los dos está muy seguro de esa explicación. Una y otra vez, en sus conversaciones con sus espectrales visitantes, se ven constreñidos a aceptar, con desesperación, su realidad: en verdad hablan con el diablo. La conciencia de la escisión es diabólica: estar poseído significa saber que el yo se ha roto y que hay un extraño que usurpa nuestra voz. ¿Ese extraño es el diablo o nosotros mismos? Cualquiera que sea nuestra respuesta, la identidad de la persona se escinde. Estos pasajes son alucinantes: las conversaciones de Iván con sus demonios están relatadas con gran realismo y como si se tratase de sucesos cotidianos. Abundan las situaciones absurdas y las reflexiones irónicas. Alternativamente el miedo nos hace reír y nos hiela la sangre. Experimentamos una fascinación ambigua: la descripción psicológica se transforma insensiblemente en especulación metafísica, esta en visión religiosa y, en fin, la visión en cuento que mezcla de modo inextricable lo sobrenatural y lo cotidiano, lo grotesco y lo abismal.

Los diablos de Dostoievski poseen una veracidad única en la literatura moderna. Desde el siglo XVIII los fantasmas de nuestros poemas y novelas son poco convincentes. Son personajes de comedia y la afectación de su lenguaje y de sus actitudes es, a un tiempo, pomposa e insoportable. Los de Goethe y Valéry son plausibles por su mismo carácter extremadamente intelectual y simbólico; también son aceptables los que de manera deliberada e irónica se presentan como ficciones fantásticas: el diablo de La mano encantada de Nerval o el delicioso Diablo enamorado de Cazotte. Pero los diablos modernos hacen todo lo posible por hacernos saber que vienen de allá, del mundo subterráneo. Son los parvenus de lo sobrenatural. Aunque los diablos de Dostoievski también son modernos y no se parecen a los antiguos demonios medievales y barrocos ― lascivos, astutos y un poco estúpidos ― no son literarios. Tienen una realidad clínica, por decirlo así. En esto reside, quizá, su gran descubrimiento: vio el parentesco oculto entre el mal y la enfermedad, entre la posesión y la reflexión. Son diablos que razonan y que, como si fuesen psicoanalistas, se empeñan en probar su inexistencia, su naturaleza imaginaria. Triunfan gracias a esos razonamientos irrefutables; Iván y Savrogin, dos intelectuales, no tienen más remedio que creerles: son verdaderamente el diablo pues solamente el diablo puede razonar así. Pero también estarían poseídos por el diablo si se aferrasen a la creencia de que se trata de meras alucinaciones de una mente enferma. En uno y otro caso, los dos están poseídos por la negación, esencia del demonio. Así se cumple el pensamiento que aterra a Iván: para creer en el diablo no es necesario creer en Dios.

Hay una especie inmune a la seducción del diablo: el ideólogo. Es el hombre que ha extirpado la dualidad. No conversa: demuestra, adoctrina, refuta, convence, condena. Llama a los otros camaradas pero jamás habla con ellos: habla con su idea. Tampoco habla con el otro que todos llevamos dentro. Ni siquiera sospecha que existe: el otro es una fantasía idealista, una superstición pequeño-burguesa. El ideólogo es el mutilado del espíritu: le falta la mitad de sí mismo. Dostoievski amaba a los pobres y a los simples, a los humillados y ofendidos pero nunca ocultó su antipatía hacia los que se decían sus salvadores. Le parecía absurda su "pretensión de querer liberar al hombre de la carga de la libertad". Carga terrible y preciosa. Los ideólogos han correspondido a su antipatía con otra no menos intensa. En una carta a su amiga Inés Armand, Lenin lo llama "el archimediocre Dostoievski". En otra ocasión dijo: "no pierdo el tiempo con esa basura". En la época de Stalin fue un autor casi prohibido y todavía hoy, en los círculos oficiales, es visto como reaccionario y un enemigo. A pesar de la hostilidad gubernamental, sus libros son los más leídos en Rusia, sobre todo entre los estudiantes, los intelectuales y, claro, los detenidos en los campos de concentración.

El tirano es arbitrario y caprichoso; contra los excesos de locos y desequilibrados como Nerón o Calígula, el remedio tradicional ha sido el puñal del regicida. Es un recurso inutilizable contra el despotismo ideológico, que es sistemático e impersonal: no se puede asesinar a una abstracción. Pero la ideología, que es inmune a las balas, no lo es a la crítica. De allí que el déspota ideológico no conozca, como forma de expresión, sino el monólogo y el discurso. La tiranía del ideólogo es el soliloquio de un profesor sádico y pedante, empeñado en hacer de la sociedad un cuadrado y de cada hombre un triángulo. Por esto, aparte de la permanente fascinación que sentimos ante su obra, Dostoievski es actual. Su actualidad es moral y política: nos enseña que la sociedad no es un pizarrón quadro-negro y que el hombre, criatura imprevisible, escapa a todas las definiciones y prisiones, incluso a las del tirano convertido en geómetra.


Publicado em Revista Vuelta nr. 52, março de 1981.

19 de outubro de 2012

La búsqueda del presente

Discurso proferido por Octavio Paz em 1990 por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura da Academia Sueca


Comienzo con una palabra que todos los hombres, desde que el hombre es hombre, han proferido: gracias. Es una palabra que tiene equivalentes en todas las lenguas. Y en todas es rica la gama de significados. En las lenguas romances va de lo espiritual a lo físico, de la gracia que concede Dios a los hombres para salvarlos del error y la muerte a la gracia corporal de la muchacha que baila o a la del felino que salta en la maleza. Gracia es perdón, indulto, favor, beneficio, nombre, inspiración, felicidad en el estilo de hablar o de pintar, ademán que revela las buenas maneras y, en fin, acto que expresa bondad de alma. La gracia es gratuita, es un don; aquel que lo recibe, el agraciado, si no es un mal nacido, lo agradece: da las gracias. Es lo que yo hago ahora con estas palabras de poco peso. Espero que mi emoción compense su levedad. Si cada una fuese una gota de agua, ustedes podrían ver, a través de ellas, lo que siento: gratitud, reconocimiento. Y también una indefinible mezcla de temor, respeto y sorpresa al verme ante ustedes, en este recinto que es, simultáneamente, el hogar de las letras suecas y la casa de la literatura universal.

Las lenguas son realidades más vastas que las entidades políticas e históricas que llamamos naciones. Un ejemplo de esto son las lenguas europeas que hablamos en América. La situación peculiar de nuestras literaturas frente a las de Inglaterra, España, Portugal y Francia depende precisamente de este hecho básico: son literaturas escritas en lenguas transplantadas. Las lenguas nacen y crecen en un suelo; las alimenta una historia común. Arrancadas de su suelo natal y de su tradición propia, plantadas en un mundo desconocido y por nombrar, las lenguas europeas arraigaron en las tierras nuevas, crecieron con las sociedades americanas y se transformaron. Son la misma planta y son una planta distinta. Nuestras literaturas no vivieron pasivamente las vicisitudes de las lenguas transplantadas: participaron en el proceso y lo apresuraron. Muy pronto dejaron de ser meros reflejos transatlánticos; a veces han sido la negación de las literaturas europeas y otras, con más frecuencia, su réplica.

A despecho de estos vaivenes, la relación nunca se ha roto. Mis clásicos son los de mi lengua y me siento descendiente de Lope y de Quevedo como cualquier escritor español ... pero no soy español. Creo que lo mismo podrían decir la mayoría de los escritores hispanoamericanos y también los de los Estados Unidos, Brasil y Canadá frente a la tradición inglesa, portuguesa y francesa. Para entender más claramente la peculiar posición de los escritores americanos, basta con pensar en el diálogo que sostiene el escritor japonés, chino o árabe con esta o aquella literatura europea: es un diálogo a través de lenguas y de civilizaciones distintas. En cambio, nuestro diálogo se realiza en el interior de la misma lengua. Somos y no somos europeos. ¿Qué somos entonces? Es difícil definir lo que somos pero nuestras obras hablan por nosotros.

La gran novedad de este siglo, en materia literaria, ha sido la aparición de las literaturas de América. Primero surgió la angloamericana y después, en la segunda mitad del siglo XX, la de América Latina en sus dos grandes ramas, la hispanoamericana y la brasileña. Aunque son muy distintas, las tres literaturas tienen un rasgo en común: la pugna, más ideológica que literaria, entre las tendencias cosmopolitas y las nativistas, el europeísmo y el americanismo. ¿Qué ha quedado de esa disputa? Las polémicas se disipan; quedan las obras. Aparte de este parecido general, las diferencias entre las tres son numerosas y profundas. Una es de orden histórico más que literario: el desarrollo de la literatura angloamericana coincide con el ascenso histórico de los Estados Unidos como potencia mundial; el de la nuestra con las desventuras y convulsiones políticas y sociales de nuestros pueblos. Nueva prueba de los límites de los determinismos sociales e históricos; los crepúsculos de los imperios y las perturbaciones de las sociedades coexisten a veces con obras y momentos de esplendor en las artes y las letras: Li-Po y Tu Fu fueron testigos de la caída de los Tang, Velázquez fue el pintor de Felipe IV, Séneca y Lucano fueron contemporáneos y víctimas de Nerón. Otras diferencias son de orden literario y se refieren más a las obras en particular que al carácter de cada literatura. ¿Pero tienen carácter las literaturas, poseen un conjunto de rasgos comunes que las distingue unas de otras? No lo creo. Una literatura no se define por un quimérico, inasible carácter. Es una sociedad de obras únicas unidas por relaciones de oposición y afinidad.

La primera y básica diferencia entre la literatura latinoamericana y la angloamericana reside en la diversidad de sus orígenes. Unos y otros comenzamos por ser una proyección europea. Ellos de una isla y nosotros de una península. Dos regiones excéntricas por la geografía, la historia y la cultura. Ellos vienen de Inglaterra y la Reforma; nosotros de España, Portugal y la Contrarreforma. Apenas si debo mencionar, en el caso de los hispanoamericanos, lo que distingue a España de las otras naciones europeas y le otorga una notable y original fisonomía histórica. España no es menos excéntrica que Inglaterra aunque lo es de manera distinta. La excentricidad inglesa es insular y se caracteriza por el aislamiento: una excentricidad por exclusión. La hispana es peninsular y consiste en la coexistencia de diferentes civilizaciones y pasados: una excentricidad por inclusión. En lo que sería la católica España los visigodos profesaron la herejía de Arriano, para no hablar de los siglos de dominación de la civilización árabe, de la influencia del pensamiento judío, de la Reconquista y de otras peculiaridades.

En América la excentricidad hispánica se reproduce y se multiplica, sobre todo en países con antiguas y brillantes civilizaciones como México y Perú. Los españoles encontraron en México no sólo una geografía sino una historia. Esa historia está viva todavía: no es un pasado sino un presente. El México precolombino, con sus templos y sus dioses, es un montón de ruinas pero el espíritu que animó ese mundo no ha muerto. Nos habla en el lenguaje cifrado de los mitos, las leyendas, las formas de convivencia, las artes populares, las costumbres. Ser escritor mexicano significa oír lo que nos dice ese presente - esa presencia. Oírla, hablar con ella, descifrarla: decirla... Tal vez después de esta breve digresión sea posible entrever la extraña relación que, al mismo tiempo, nos une y separa de la tradición europea.

La conciencia de la separación es una nota constante de nuestra historia espiritual. A veces sentimos la separación como una herida y entonces se transforma en escisión interna, conciencia desgarrada que nos invita al examen de nosotros mismos; otras aparece como un reto, espuela que nos incita a la acción, a salir al encuentro de los otros y del mundo. Cierto, el sentimiento de la separación es universal y no es privativo de los hispanoamericanos. Nace en el momento mismo de nuestro nacimiento: desprendidos del todo caemos en un suelo extraño. Esta experiencia se convierte en una llaga que nunca cicatriza. Es el fondo insondable de cada hombre; todas nuestras empresas y acciones, todo lo que hacemos y soñamos, son puentes para romper la separación y unirnos al mundo y a nuestros semejantes. Desde esta perspectiva, la vida de cada hombre y la historia colectiva de los hombres pueden verse como tentativas destinadas a reconstruir la situación original. Inacabada e inacabable cura de la escisión. Pero no me propongo hacer otra descripción, una más, de este sentimiento. Subrayo que entre nosotros se manifiesta sobre todo en términos históricos. Así, se convierte en conciencia de nuestra historia. ¿Cuando y cómo aparece este sentimiento y cómo se transforma en conciencia? La respuesta a esta doble pregunta puede consistir en una teoría o en un testimonio personal. Prefiero lo segundo: hay muchas teorías y ninguna del todo confiable.

El sentimiento de separación se confunde con mis recuerdos más antiguos y confusos: con el primer llanto, con el primer miedo. Como todos los niños, construí puentes imaginarios y afectivos que me unían al mundo y a los otros. Vivía en un pueblo de las afueras de la ciudad de México, en una vieja casa ruinosa con un jardín selvático y una gran habitación llena de libros. Primeros juegos, primeros aprendizajes. El jardín se convirtió en el centro del mundo y la biblioteca en caverna encantada. Leía y jugaba con mis primos y mis compañeros de escuela. Había una higuera, templo vegetal, cuatro pinos, tres fresnos, un huele-de-noche, un granado, herbazales, plantas espinosas que producían rozaduras moradas. Muros de adobe. El tiempo era elástico; el espacio, giratorio. Mejor dicho: todos los tiempos, reales o imaginarios, eran ahora mismo; el espacio, a su vez, se transformaba sin cesar: allá era aquí: todo era aquí: un valle, una montaña, un país lejano, el patio de los vecinos. Los libros de estampas, particularmente los de historia, hojeados con avidez, nos proveían de imágenes: desiertos y selvas, palacios y cabañas, guerreros y princesas, mendigos y monarcas. Naufragamos con Simbad y con Robinson, nos batimos con Artagnan, tomamos Valencia con el Cid. ¡Cómo me hubiera gustado quedarme para siempre en la isla de Calipso! En verano la higuera mecía todas sus ramas verdes como si fuesen las velas de una carabela o de un barco pirata; desde su alto mástil, batido por el viento, descubrí islas y continentes - tierras que apenas se desvanecían. El mundo era ilimitado y, no obstante, siempre al alcance de la mano; el tiempo era una substancia maleable y un presente sin fisuras.

¿Cuando se rompió el encanto? No de golpe: poco a poco. Nos cuesta trabajo aceptar que el amigo nos traiciona, que la mujer querida nos engaña, que la idea libertaria es la máscara del tirano. Lo que se llama "caer en la cuenta" es un proceso lento y sinuoso porque nosotros mismos somos cómplices de nuestros errores y engaños. Sin embargo, puedo recordar con cierta claridad un incidente que, aunque pronto olvidado, fue la primera señal. Tendría unos seis años y una de mis primas, un poco mayor que yo, me enseñó una revista norteamericana con una fotografía de soldados desfilando por una gran avenida, probablemente de Nueva York. "Vuelven de la guerra", me dijo. Esas pocas palabras me turbaron como si anunciasen el fin del mundo o el segundo advenimiento de Cristo. Sabía, vagamente, que allá lejos, unos años antes, había terminado una guerra y que los soldados desfilaban para celebrar su victoria; para mí aquella guerra había pasado en otro tiempo, no ahora ni aquí. La foto me desmentía. Me sentí, literalmente, desalojado del presente.

Desde entonces el tiempo comenzó a fracturarse más y más. Y el espacio, los espacios. La experiencia se repitió una y otra vez. Una noticia cualquiera, una frase anodina, el titular de un diario, una canción de moda: pruebas de la existencia del mundo de afuera y revelaciones de mi irrealidad. Sentí que el mundo se escindía: yo no estaba en el presente. Mi ahora se disgregó: el verdadero tiempo estaba en otra parte. Mi tiempo, el tiempo del jardín, la higuera, los juegos con los amigos, el sopor bajo el sol de las tres de la tarde entre las yerbas, el higo entreabierto - negro y rojizo como un ascua pero un ascua dulce y fresca - era un tiempo ficticio. A pesar del testimonio de mis sentidos, el tiempo de allá, el de los otros, era el verdadero, el tiempo del presente real. Acepté lo inaceptable: fui adulto. Así comenzó mi expulsión del presente.

Decir que hemos sido expulsados del presente puede parecer una paradoja. No: es una experiencia que todos hemos sentido alguna vez; algunos la hemos vivido primero como una condena y después transformada en conciencia y acción. La búsqueda del presente no es la búsqueda del edén terrestre ni de la eternidad sin fechas: es la búsqueda de la realidad real. Para nosotros, hispanoamericanos, ese presente real no estaba en nuestros países: era el tiempo que vivían los otros, los ingleses, los franceses, los alemanes. El tiempo de Nueva York, París, Londres. Había que salir en su busca y traerlo a nuestras tierras. Esos años fueron también los de mi descubrimiento de la literatura. Comencé a escribir poemas. No sabía qué me llevaba a escribirlos: estaba movido por una necesidad interior difícilmente definible. Apenas ahora he comprendido que entre lo que he llamado mi expulsión del presente y escribir poemas había una relación secreta. La poesía está enamorada del instante y quiere revivirlo en un poema; lo aparta de la sucesión y lo convierte en presente fijo. Pero en aquella época yo escribía sin preguntarme por qué lo hacía. Buscaba la puerta de entrada al presente: quería ser de mi tiempo y de mi siglo. Un poco después esta obsesión se volvió idea fija: quise ser un poeta moderno. Comenzó mi búsqueda de la modernidad.

¿Qué es la modernidad? Ante todo, es un término equívoco: hay tantas modernidades como sociedades. Cada una tiene la suya. Su significado es incierto y arbitrario, como el del período que la precede, la Edad Media. Si somos modernos frente al medievo, ¿seremos acaso la Edad Media de una futura modernidad? Un nombre que cambia con el tiempo, ¿es un verdadero nombre? La modernidad es una palabra en busca de su significado: ¿es una idea, un espejismo o un momento de la historia? ¿Somos hijos de la modernidad o ella es nuestra creación? Nadie lo sabe a ciencia cierta. Poco importa: la seguimos, la perseguimos. Para mí, en aquellos años, la modernidad se confundía con el presente o, más bien, lo producía: el presente era su flor extrema y última. Mi caso no es único ni excepcional: todos los poetas de nuestra época, desde el período simbolista, fascinados por esa figura a un tiempo magnética y elusiva, han corrido tras ella. El primero fue Baudelaire. El primero también que logró tocarla y así descubrir que no es sino tiempo que se deshace entre las manos. No referiré mis aventuras en la persecusión de la modernidad: son las de casi todos los poetas de nuestro siglo. La modernidad ha sido una pasión universal. Desde 1850 ha sido nuestra diosa y nuestro demonio. En los últimos años se ha pretendido exorcizarla y se habla mucho de la "postmodernidad". ¿Pero qué es la postmodernidad sino una modernidad aún más moderna?

Para nosotros, latinoamericanos, la búsqueda de la modernidad poética tiene un paralelo histórico en las repetidas y diversas tentativas de modernización de nuestras naciones. Es una tendencia que nace a fines del siglo XVIII y que abarca a la misma España. Los Estados Unidos nacieron con la modernidad y ya para 1830, como lo vio Tocqueville, eran la matriz del futuro; nosotros nacimos en el momento en que España y Portugal se apartaban de la modernidad. De ahí que a veces se hablase de "europeizar" a nuestros países: lo moderno estaba afuera y teníamos que importarlo. En la historia de México el proceso comienza un poco antes de las guerras de Independencia; más tarde se convierte en un gran debate ideológico y político que divide y apasiona a los mexicanos durante el siglo XIX. Un episodio puso en entredicho no tanto la legitimidad del proyecto reformador como la manera en que se había intentado realizarlo: la Revolución mexicana. A diferencia de las otras revoluciones del siglo XX, la de México no fue tanto la expresión de una ideología más o menos utópica como la explosión de una realidad histórica y psíquica oprimida. No fue la obra de un grupo de ideólogos decididos a implantar unos principios derivados de una teoría política; fue un sacudimiento popular que mostró a la luz lo que estaba escondido. Por esto mismo fue, tanto o más que una revolución, una revelación. México buscaba al presente afuera y lo encontró adentro, enterrado pero vivo. La búsqueda de la modernidad nos llevó a descubrir nuestra antigüedad, el rostro oculto de la nación. Inesperada lección histórica que no sé si todos han aprendido: entre tradición y modernidad hay un puente. Aisladas, las tradiciones se petrifican y las modernidades se volatilizan; en conjunción, una anima a la otra y la otra le responde dándole peso y gravedad.

La búsqueda de la modernidad poética fue una verdadera quéte, en el sentido alegórico y caballeresco que tenía esa palabra en el siglo XII. No rescaté ningún Grial, aunque recorrí varias waste lands, visité castillos de espejos y acampé entre tribus fantasmales. Pero descubrí a la tradición moderna. Porque la modernidad no es una escuela poética sino un linaje, una familia esparcida en varios continentes y que durante dos siglos ha sobrevivido a muchas vicisitudes y desdichas: la indiferencia pública, la soledad y los tribunales de las ortodoxias religiosas, políticas, académicas y sexuales. Ser una tradición y no una doctrina le ha permitido, simultáneamente, permanecer y cambiar. También le ha dado diversidad: cada aventura poética es distinta y cada poeta ha plantado un árbol diferente en este prodigioso bosque parlante. Si las obras son diversas y los caminos distintos, ¿qué une a todos estos poetas? No una estética sino la búsqueda. Mi búsqueda no fue quimérica, aunque la idea de modernidad sea un espejismo, un haz de reflejos. Un día descubrí que no avanzaba sino que volvía al punto de partida: la búsqueda de la modernidad era un descenso a los orígenes. La modernidad me condujo a mi comienzo, a mi antigüedad. La ruptura se volvió reconciliación. Supe así que el poeta es un latido en el río de las generaciones.


La idea de modernidad es un sub-producto de la concepción de la historia como un proceso sucesivo, lineal e irrepetible. Aunque sus orígenes están en el judeocristianismo, es una ruptura con la doctrina cristiana. El cristianismo desplazó al tiempo cíclico de los paganos: la historia no se repite, tuvo un principio y tendrá un fin; el tiempo sucesivo fue el tiempo profano de la historia, teatro de las acciones de los hombres caídos, pero sometido al tiempo sagrado, sin principio ni fin. Después del Juicio Final, lo mismo en el cielo que en el infierno, no habrá futuro. En la Eternidad no sucede nada porque todo es. Triunfo del ser sobre el devenir. El tiempo nuevo, el nuestro, es lineal como el cristiano pero abierto al infinito y sin referencia a la Eternidad. Nuestro tiempo es el de la historia profana. Tiempo irreversible y perpetuamente inacabado, en marcha no hacia su fin sino hacia el porvenir. El sol de la historia se llama futuro y el nombre del movimiento hacia el futuro es Progreso.

Para el cristiano, el mundo - o como antes se decía: el siglo, la vida terrenal - es un lugar de prueba: las almas se pierden o se salvan en este mundo. Para la nueva concepción, el sujeto histórico no es el alma individual sino el género humano, a veces concebido como un todo y otras a través de un grupo escogido que lo representa: las naciones adelantadas de Occidente, el proletariado, la raza blanca o cualquier otro ente. La tradición filosófica pagana y cristiana había exaltado al Ser, plenitud henchida, perfección que no cambia nunca; nosotros adoramos al Cambio, motor del progreso y modelo de nuestras sociedades. El Cambio tiene dos modos privilegiados de manifestación: la evolución y la revolución, el trote y el salto. La modernidad es la punta del movimiento histórico, la encarnación de la evolución o de la revolución, las dos caras del progreso. Por último, el progreso se realiza gracias a la doble acción de la ciencia y de la técnica, aplicadas al dominio de la naturaleza y a la utilización de sus inmensos recursos.

El hombre moderno se ha definido como un ser histórico. Otras sociedades prefirieron definirse por valores e ideas distintas al cambio: los griegos veneraron a la Polis y al círculo pero ignoraron al progreso, a Séneca le desvelaba, como a todos los estoicos, el eterno retorno, San Agustín creía que el fin del mundo era inminente, Santo Tomás construyó una escala - los grados del ser - de la criatura al Creador y así sucesivamente. Una tras otra esas ideas y creencias fueron abandonadas. Me parece que comienza a ocurrir lo mismo con la idea del Progreso y, en consecuencia, con nuestra visión del tiempo, de la historia y de nosotros mismos. Asistimos al crepúsculo del futuro. La baja de la idea de modernidad, y la boga de una noción tan dudosa como "postmodernidad", no son fenómenos que afecten únicamente a las artes y a la literatura: vivimos la crisis de las ideas y creencias básicas que han movido a los hombres desde hace más de dos siglos. En otras ocasiones me he referido con cierta extensión al tema. Aquí sólo puedo hacer un brevísimo resumen.

En primer término: está en entredicho la concepción de un proceso abierto hacia el infinito y sinónimo de progreso continuo. Apenas si debo mencionar lo que todos sabemos: los recursos naturales son finitos y un día se acabarán. Además, hemos causado daños tal vez irreparables al medio natural y la especie misma está amenazada. Por otra parte, los instrumentos del progreso - la ciencia y la técnica - han mostrado con terrible claridad que pueden convertirse fácilmente en agentes de destrucción. Finalmente, la existencia de armas nucleares es una refutación de la idea de progreso inherente a la historia. Una refutación, añado, que no hay más remedio que llamar devastadora.

En segundo término: la suerte del sujeto histórico, es decir, de la colectividad humana, en el siglo XX. Muy pocas veces los pueblos y los individuos habían sufrido tanto: dos guerras mundiales, despotismos en los cinco continentes, la bomba atómica y, en fin, la multiplicación de una de las instituciones más crueles y mortíferas que han conocido los hombres, el campo de concentración. Los beneficios de la técnica moderna son incontables pero es imposible cerrar los ojos ante las matanzas, torturas, humillaciones, degradaciones y otros daños que han sufrido millones de inocentes en nuestro siglo.

En tercer término: la creencia en el progreso necesario. Para nuestros abuelos y nuestros padres las ruinas de la historia - cadáveres, campos de batalla desolados, ciudades demolidas - no negaban la bondad esencial del proceso histórico. Los cadalsos y las tiranías, las guerras y la barbarie de las luchas civiles eran el precio del progreso, el rescate de sangre que había que pagar al dios de la historia. ¿Un dios? Si, la razón misma, divinizada y rica en crueles astucias, según Hegel. La supuesta racionalidad de la historia se ha evaporado. En el dominio mismo del orden, la regularidad y la coherencia - en las ciencias exactas y en la física - han reaparecido las viejas nociones de accidente y de catástrofe. Inquietante resurrección que me hace pensar en los terrores del Año Mil y en la angustia de los aztecas al fin de cada ciclo cósmico.

Y para terminar esta apresurada enumeración: la ruina de todas esas hipótesis filosóficas e históricas que pretendían conocer las leyes de desarrollo histórico. Sus (reyentes, confiados en que eran dueños de las llaves de la historia, edificaron poderosos estados sobre pirámides de cadáveres. Esas orgullosas construcciones, destinadas en teoría a liberar a los hombres, se convirtieron muy pronto en cárceles gigantescas. Hoy las hemos visto caer; las echaron abajo no los enemigos idelógicos sino el cansancio y el afán libertario de las nuevas generaciones. ¿Fin de las utopías? Más bien: fin de la idea de la historia como un fenómeno cuyo desarrollo se conoce de antemano. El determinismo histórico ha sido una costosa y sangrienta fantasía. La historia es imprevisible porque su agente, el hombre, es la indeterminación en persona.

Este pequeño repaso muestra que, muy probablemente, estamos al fin de un período histórico y al comienzo de otro. ¿Fin o mutación de la Edad Moderna? Es difícil saberlo. De todos modos, el derrumbe de las utopías ha dejado un gran vacío, no en los países en donde esa ideología ha hecho sus pruebas y ha fallado sino en aquellos en los que muchos la abrazaron con entusiasmo y esperanza. Por primera vez en la historia los hombres viven en una suerte de intemperie espiritual y no, como antes, a la sombra de esos sistemas religiosos y políticos que, simultáneamente, nos oprimían y nos consolaban. Las sociedades son históricas pero todas han vivido guiadas e inspiradas por un conjunto de creencias e ideas metahistóricas. La nuestra es la primera que se apresta a vivir sin una doctrina metahistórica; nuestros absolutos - religiosos o filosóficos, éticos o estéticos - no son colectivos sino privados. La experiencia es arriesgada. Es imposible saber si las tensiones y conflictos de esta privatización de ideas, prácticas y creencias que tradicionalmente pertenecían a la vida pública no terminará por quebrantar la fábrica social. Los hombres podrían ser poseídos nuevamente por las antiguas furias religiosas y por los fanatismos nacionalistas. Sería terrible que la caída del ídolo abstracto de la ideología anunciase la resurrección de las pasiones enterradas de las tribus, las sectas y las iglesias. Por desgracia, los signos son inquietantes.

La declinación de las ideologías que he llamado metahistóricas, es decir, que asignan un fin y una dirección a la historia, implica el tácito abandono de soluciones globales. Nos inclinamos más y más, con buen sentido, por remedios limitados para resolver problemas concretos. Es cuerdo abstenerse de legislar sobre el porvenir. Pero el presente require no solamente atender a sus necesidades inmediatas: también nos pide una reflexión global y más rigurosa. Desde hace mucho creo, y lo creo firmemente, que el ocaso del futuro anuncia el advenimiento del hoy. Pensar el hoy significa, ante todo, recobrar la mirada critica. Por ejemplo, el triunfo de la economía de mercado - un triunfo por default del adversario - no puede ser únicamente motivo de regocijo. El mercado es un mecanismo eficaz pero, como todos los mecanismos, no tiene conciencia y tampoco misericordia. Hay que encontrar la manera de insertarlo en la sociedad para que sea la expresión del pacto social y un instrumento de justicia y equidad. Las sociedades democráticas desarrolladas han alcanzado una prosperidad envidiable; asimismo, son islas de abundancia en el océano de la miseria universal. El tema del mercado tiene una relación muy estrecha con el deterioro del medio ambiente. La contaminación no sólo infesta al aire, a los ríos y a los bosques sino a las almas. Una sociedad poseída por el frenesí de producir más para consumir más tiende a convertir las ideas, los sentimientos, el arte, el amor, la amistad y las personas mismas en objetos de consumo. Todo se vuelve cosa que se compra, se usa y se tira al basurero. Ninguna sociedad había producido tantos desechos como la nuestra. Desechos materiales y morales.

La reflexión sobre el ahora no implica renuncia al futuro ni olvido del pasado: el presente es el sitio de encuentro de los tres tiempos. Tampoco puede confundirse con un fácil hedonismo. El árbol del placer no crece en el pasado o en el futuro sino en el ahora mismo. También la muerte es un fruto del presente. No podemos rechazarla: es parte de la vida. Vivir bien exige morir bien. Tenemos que aprender a mirar de frente a la muerte. Alternativamente luminoso y sombrío, el presente es una esfera donde se unen las dos mitades, la acción y la contemplación. Así como hemos tenido filosofías del pasado y del futuro, de la eternidad y de la nada, mañana tendremos una filosofía del presente. La experiencia poética puede ser una de sus bases. ¿Qué sabemos del presente? Nada o casi nada. Pero los poetas saben algo: el presente es el manantial de las presencias.

En mi peregrinación en busca de la modernidad me perdí y me encontré muchas veces. Volví a mi origen y descubrí que la modernidad no está afuera sino adentro de nosotros. Es hoy y es la antigüedad más antigua, es mañana y es el comienzo del mundo, tiene mil años y acaba de nacer. Habla en náhuatl, traza ideogramas chinos del siglo IX y aparece en la pantalla de televisión. Presente intacto, recién desenterrado, que se sacude el polvo de siglos, sonríe y, de pronto, se echa a volar y desaparece por la ventana. Simultaneidad de tiempos y de presencias: la modernidad rompe con el pasado inmediato sólo para rescatar al pasado milenario y convertir a una figurilla de fertilidad del neolítico en nuestra contemporánea. Perseguimos a la modernidad en sus incesantes metamorfosis y nunca logramos asirla. Se escapa siempre: cada encuentro es una fuga. La abrazamos y al punto se disipa: sólo era un poco de aire. Es el instante, ese pájaro que está en todas partes y en ninguna. Queremos asirlo vivo pero abre las alas y se desvanece, vuelto un puñado de sílabas. Nos quedamos con las manos vacías. Entonces las puertas de la percepción se entreabren y aparece el otro tiempo, el verdadero, el que buscábamos sin saberlo: el presente, la presencia.